Carta de um Espírito bem-aventurado (Ao seu amigo da Terra sobre a primeira visão do Senhor)
Caro amigo,
De mil coisas com que desejaria entreter-te, não direi, desta vez, senão uma que te interessará mais que todas as outras. Obtive autorização para fazê-lo. Os Espíritos nada podem fazer sem uma permissão especial. Eles vivem sem a sua própria vontade, somente na vontade do Pai celeste, que transmite suas ordens a milhares de seres ao mesmo tempo, como se fosse uma só, e responde instantaneamente sobre uma infinidade de assuntos, a milhares de suas criaturas que a ele se dirigem.
Como te fazer compreender de que maneira eu vejo o Senhor? Oh! De uma maneira muito diferente daquela que vós, seres ainda mortais, podeis imaginá-lo.
Depois de muitas aparições, instruções, explicações e prazeres que me foram concedidos pela graça do Senhor, eu uma vez atravessei uma região paradisíaca, com cerca de doze outros Espíritos que tinham subido mais ou menos os mesmos degraus da perfeição que eu. Nós planamos, volitamos um ao lado do outro, numa suave e agradável harmonia, como que formando uma leve nuvem, e nos parecia experimentar o mesmo arrastamento, a mesma propensão para um objetivo muito elevado. Nós nos pressionávamos cada vez mais um contra o outro. À medida que avançávamos, tornávamo-nos cada vez mais íntimos, mais livres, mais alegres, gozando mais e cada vez mais aptos a gozar, e nos dizíamos: “Oh! Como é bom e misericordioso aquele que nos criou! Aleluia ao Criador! Foi o amor que nos criou! Aleluia ao Ser amante!” Animados por tais sentimentos, prosseguíamos o nosso voo e paramos perto de uma fonte.
Aí sentimos a aproximação de uma brisa leve. Ela não trazia nem um homem, nem um anjo, entretanto o que avançava para nós era qualquer coisa de tão humano, que atraiu toda a nossa atenção. Uma luz resplandecente, semelhante, de certo modo, à dos Espíritos bem-aventurados, mas não a ultrapassando, nos inundou. “Aquele também é dos nossos! pensamos simultaneamente e como por intuição.” Ela desapareceu, e a princípio pareceu-nos que estávamos privados de alguma coisa. “Que ser extraordinário! dissemo-nos. Que conduta real, e ao mesmo tempo que graça infantil! Que amenidade e que majestade!”
Enquanto assim falávamos a nós mesmos, subitamente uma forma graciosa nos apareceu, saindo de um delicioso bosque, e nos fez uma saudação amiga. O recém- chegado não parecia a aparição precedente, mas ele tinha, também, algo de superiormente elevado e ao mesmo tempo de inexprimivelmente simples.
─ Sede bem-vindos, irmãos e irmãs! disse ele.
Respondemos a uma voz:
─ Sê bem-vindo tu, ó abençoado do Senhor! O Céu se reflete em tua face e o amor de Deus irradia de teus olhos!
─ Quem sois vós? perguntou o desconhecido.
─ Somos os felizes adoradores do todo-poderoso Amor, respondemos.
─ Quem é o todo-poderoso Amor? perguntou-nos ele, com uma graça perfeita.
─ Não conheces o todo-poderoso Amor? perguntamos, por nossa vez, ou melhor, fui eu que lhe dirigi a pergunta, em nome de todos.
─ Eu o conheço, disse o desconhecido, com uma voz ainda mais doce.
─ Ah! Se pudéssemos ser dignos de vê-lo e ouvir a sua voz! Mas não nos sentimos bastante depurados para merecer contemplar diretamente a mais santa pureza.
Em resposta a estas palavras, ouvimos retinir atrás de nós uma voz que nos disse:
─ Estais lavados de toda mancha, estais purificados. Sois declarados justos por Jesus Cristo e pelo Espírito do Deus vivo!
Uma felicidade inexprimível manifestou-se em nós, no momento em que, virando-nos na direção de onde partia a voz, queríamos ajoelhar-nos para adorar o interlocutor invisível.
O que aconteceu? Cada um de nós ouviu instantaneamente um nome, que jamais tinha ouvido pronunciar, mas que cada um compreendeu e ao mesmo tempo reconheceu ser o seu próprio novo nome, expresso pela voz do desconhecido. Espontaneamente, com a rapidez do relâmpago, nós nos voltamos, como um ser único, para o adorável interlocutor, que nos apostrofou assim, com uma graça indizível:
─ Encontrastes o que buscáveis. Aquele que me vê, vê também o todopoderoso Amor. Eu conheço os meus e os meus me conhecem. Eu dou às minhas ovelhas a vida eterna e elas não morrerão na eternidade; ninguém as arrancará de minhas mãos, nem das de meu Pai. Eu e meu Pai somos um!
Como poderia eu exprimir em palavras a doce e suprema felicidade em que nos expandimos quando aquele que a cada momento se tornava mais luminoso, mais gracioso, mais sublime, estendeu para nós os seus braços e pronunciou as seguintes palavras, que vibrarão eternamente para nós, e que nenhum poder será capaz de fazer desaparecer de nossos ouvidos e de nossos corações:
─ Vinde aqui, vós, eleitos de meu Pai: herdai o reino que vos foi preparado desde o começo do Universo.
Depois disto, abraçou-nos a todos simultaneamente e desapareceu. Guardamos silêncio, e sentindo-nos estreitamente unidos para a eternidade, nos derramamos, sem nos movermos, um no outro, docemente e cheios de uma felicidade suprema. O Ser infinito tornou-se uno conosco e ao mesmo tempo nosso tudo, nosso céu, nossa vida no seu mais verdadeiro sentido. Mil vidas novas pareceram nos penetrar. Nossa existência anterior extinguiu-se para nós; recomeçamos a ser; ressentimos a imortalidade, isto é, uma superabundância de vida e de forças que levava o cunho da indestrutibilidade.
Enfim, recuperamos a palavra. Ah! Se eu pudesse te transmitir, ainda que um único som, de nossa alegre adoração!
“Ele existe! Nós somos! Por ele, por ele só! ─ Ele é ─ seu ser não é senão vida e amor! - Aquele que o vê, vive e ama, é inundado de eflúvios da imortalidade e do amor provindo de sua face divina, de seu olhar cheio de felicidade suprema!
“Nós te vimos, amor todo-poderoso! Tu te mostraste a nós sob a forma humana, Tu, Deus dos deuses! E contudo Tu não foste nem homem, nem Deus, Tu HomemDeus!
“Tu não foste senão amor, todo-poderoso apenas como amor! ─ Tu nos sustentaste por tua onipotência, para impedir que a força, mesmo atenuada por teu amor, não nos absorvesse nela.
“És Tu, és Tu? ─ Tu, que todos os céus glorificam; ─ Tu, oceano de beatitude; ─ Tu, onipotência; ─ Tu, que outrora, encarnando-te nos ossos humanos, levaste os fardos da Terra e, rorejando sangue, suspenso numa cruz, Te fizeste cadáver?
“Sim, és Tu, ─ Tu, glória de todos os seres! Ser diante do qual se inclinam todas as naturezas, que desaparecem diante de Ti, para serem chamadas a viver em Ti!
“Num dos teus raios encontra-se a vida de todos os mundos e de teu hálito não jorra senão o amor!”
Isto, caro amigo, não é senão uma migalha mínima, caída na Terra, da mesa cheia de uma felicidade inefável de que eu me nutria. Aproveita-a, e em breve serte-á dado mais. ─ Ama, e serás amado. ─ Só o amor pode aspirar à felicidade suprema. ─ Só o amor pode dar a felicidade, mas unicamente àqueles que amam.
Oh! meu querido, é porque amas que posso aproximar-me de ti, comunicar-me contigo e te conduzir mais depressa à fonte da vida.
Amor! Deus e o Céu vivem em ti, tanto quanto vivem na face e no coração de Jesus Cristo!
Escrevo isto, segundo a vossa cronologia terrestre, a 13 de novembro de 1798.
MAKARIOSENAGAPE.
(Termina no próximo número)