Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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Quarta carta

Em minha carta precedente, mui venerada Imperatriz, prometi vos enviar a carta de um defunto a seu amigo da Terra. Ela poderá melhor vos fazer compreender e captar minhas ideias sobre o estado de um cristão após a morte de seu corpo. Tomo a liberdade de juntá-la a esta. Julgai-a do ponto de vista que vos indiquei, e tende a bondade de prestar mais atenção para o assunto principal do que para alguns detalhes particulares que o cercam, embora eu tenha razões para supor que estes últimos também encerrem alguma coisa de verdadeiro.

Para a compreensão das matérias que vos exporei na continuação, sob esta forma, creio necessário vos fazer notar que tenho quase certeza que, malgrado a existência de uma lei geral, idêntica e imutável, de castigo e de felicidade suprema, cada Espírito, segundo o seu caráter individual, não somente moral e religioso, mas mesmo pessoal e oficial, terá sofrimentos a suportar após a sua morte terrestre e gozará de felicidades que serão apropriadas exclusivamente a ele. A lei geral individualizar-se-á para cada indivíduo em particular, isto é, ela produzirá em cada um, um efeito diferente e pessoal, exatamente como o mesmo raio de luz, atravessando um vidro colorido, convexo ou côncavo, dele tira, em parte, a sua cor e a sua direção. Eu queria, pois, que ele fosse aceito positivamente: que, embora todos os Espíritos bem-aventurados, menos felizes ou sofredores, se encontrem sob a mesma lei muito simples de semelhança ou dessemelhança com o mais perfeito amor, deve-se presumir que o caráter substancial, pessoal, individual de cada Espírito constitua um estado de sofrimento ou de felicidade essencialmente diferente do estado de sofrimento ou de felicidade de outro Espírito. Cada um sofre de uma maneira que difere do sofrimento de outro, e sente prazeres que um outro não seria capaz de sentir. A cada um dos mundos, material e imaterial, Deus e o Cristo se apresentam sob uma forma particular, sob a qual não aparecem a ninguém, senão a ele. Cada um tem seu ponto de vista que não pertence senão a si próprio. A cada Espírito, Deus fala uma língua só por ele compreensível. Com cada um ele se comunica em particular e lhe concede prazeres que só ele está em estado de experimentar e conter.

Esta ideia, que considero uma verdade, serve de base a todas as comunicações seguintes, dadas por Espíritos desencarnados aos seus amigos da Terra.

Sentir-me-ei feliz ao saber que compreendestes como cada homem, pela formação de seu caráter individual e pelo aperfeiçoamento de sua individualidade, pode preparar para si mesmo prazeres particulares e uma felicidade adequada a si só.

Como nada esquecemos tão depressa e nada é menos procurado pelos homens do que essa felicidade apropriada a cada indivíduo, embora cada um tenha toda a possibilidade de proporcioná-la a si próprio e dela desfrutar, tomo a liberdade, sábia e venerada Imperatriz, de vos rogar com instância vos digneis analisar com atenção esta ideia que certamente não podeis olhar como inútil para a vossa própria edificação e vossa elevação para Deus: O próprio Deus colocou-se e colocou o Universo no coração de cada homem.

Todo homem é um espelho particular do Universo e de seu Criador. Façamos, pois, todos os nossos esforços, mui venerada Imperatriz, para manter esse espelho tão puro quanto possível, para que Deus possa aí se ver a si mesmo e a sua mil vezes bela criação, refletidos para sua satisfação.

JEAN-GASPAR LAVATER.

Zurique, 14 de setembro de 1798.

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