Um ato de caridade realizado pelo Dr. Ginet, cantoneiro de Saint-Julie-sousMontmelas, é contado pelo
Echo de Fourvière:
No dia 1º de janeiro, ao cair da noite, achava-se agachada na praça de SaintJulien uma mendiga de profissão, coberta de chagas infectas, vestida de velhos trapos cheios de bichos, e, além disto, tão má que todos a temiam; ela não retribuía o bem que faziam senão por socos e injúrias. Tomada de um enfraquecimento súbito, teria sucumbido na calçada, não fosse a caridade do nosso cantoneiro que, superando a repugnância, tomou-a nos braços e a levou para sua casa.
Esse pobre homem tem apenas um alojamento muito apertado para si, para a mulher doente e para seus três filhos pequenos. Ele não tem outro recurso senão o seu módico salário. Ele pôs a velha mendiga sobre um pouco de palha dada por um vizinho e dela cuidou toda a noite, procurando aquecê-la.
Ao romper do dia, essa mulher, que enfraquecia cada vez mais, lhe disse: “Tenho dinheiro comigo; eu vo-lo dou pelos vossos cuidados.” E acrescentou: “O senhor cura...” e expirou. Sem se preocupar com o dinheiro, o cantoneiro foi procurar o cura, mas era tarde demais. A seguir apressou-se em avisar os parentes, que moram numa paróquia vizinha e que estão em situação folgada. Eles chegam e a primeira pergunta é esta: “Minha irmã tinha dinheiro consigo. Onde está?” O cantoneiro responde: “Ela me disse, mas eu não me inquietei.” Eles procuram e encontram, realmente, mais de 400 francos num dos bolsos.
Acabando a sua obra, o caridoso operário, com o auxílio de uma vizinha, enterrou a pobre morta. Algumas pessoas eram de opinião que na noite seguinte ele deveria colocar o caixão num telheiro vizinho que estava fechado. “Não, disse ele, esta mulher não é um cão, mas uma cristã.” E a velou toda a noite em sua casa, com sua lâmpada acesa.
Às pessoas que lhe exprimiam admiração e aconselhavam a pedir uma recompensa, respondia: “Oh! Não foi o interesse que me levou a agir. Dar-me-ão o que quiserem, mas eu nada pedirei. Na posição em que estou, posso encontrar-me na mesma situação, e ficaria muito feliz se tivessem piedade de mim.”
─ Que relação tem isto com o Espiritismo? perguntaria um incrédulo.
─ É que a caridade evangélica, tal qual a recomendou o Cristo, sendo uma lei do Espiritismo, todo ato realmente caridoso é um ato espírita, e a atitude desse homem é a aplicação da lei de caridade, no que ela tem de mais puro e mais sublime, porque ele fez o bem, não só sem esperança de retribuição, sem pensar em seus encargos pessoais, mas quase com a certeza de ser pago com a ingratidão, contentando-se em dizer que, em semelhante caso, quereria que tivessem feito o mesmo por ele.
─ Esse homem era espírita?
─ Ignoramo-lo; mas não é provável. Em todo caso, se não o era pela letra, era-o pelo espírito.
─ Se não era espírita, então não foi o Espiritismo que o levou a esta ação?
─ Seguramente.
─ Então por que o Espiritismo sente mérito nisto?
─ O Espiritismo não reivindica em seu proveito a ação desse homem, mas se ufana de professar os princípios que o levaram a praticá-la, sem jamais ter tido a pretensão de possuir o privilégio de inspirar os bons sentimentos. Ele reverencia o bem em qualquer parte onde se encontre. E quando seus próprios adversários o praticam, ele os oferece como exemplo aos seus adeptos.
É desagradável que os jornais tenham menos solicitude em reproduzir as boas ações, em geral, do que os crimes e os escândalos. Se há um fato que testemunha a perversidade humana, pode-se estar certo de que será repetido linha por linha, como atrativo à curiosidade dos leitores. O exemplo é contagioso. Por que não pôr aos olhos das massas
o exemplo do bem de preferência ao do mal? Há nisso uma grande questão de moralidade pública, de que trataremos mais tarde, com todos os desenvolvimentos que ela comporta.