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O Sr. Herrenschneider é um antigo sansimoniano, e foi aí que colheu seu ardente amor ao progresso. Depois tornou-se espírita, contudo, estamos longe de partilhar sua maneira de ver sobre todos os pontos e aceitar todas as soluções que ele dá. A sua é uma obra de alta filosofia, em que o elemento espírita ocupa um lugar importante. Não a examinaremos senão do ponto de vista da concordância e da divergência de suas ideias, no que toca o Espiritismo. Antes de entrar no exame de sua teoria, parecem-nos essenciais algumas considerações.
Três grandes doutrinas dividem os espíritos, sob os nomes de religiões diferentes e filosofias muito distintas; são o materialismo, o espiritualismo e o Espiritismo. Ora, é possível ser materialista e crer ou não crer no livre-arbítrio do homem; no segundo caso se é ateu ou panteísta; no primeiro é-se inconsequente e ainda se toma o nome de panteísta ou de naturista, positivista etc.
A criatura é espiritualista, desde que não seja materialista, isto é, desde que admita um princípio espiritual distinto da matéria, seja qual for a ideia que faça de sua natureza e de seu destino. Os católicos, os gregos, os protestantes, os judeus, os muçulmanos, os deístas são espiritualistas, malgrado as diferenças essenciais de dogmas que os dividem.
Os espíritas fazem da alma uma ideia mais clara e mais precisa; não é um ser vago e abstrato, mas um ser definido, que reveste uma forma concreta, limitada, circunscrita. Independentemente da inteligência, que é a sua essência, ela tem atributos e efeitos especiais, que constituem os princípios fundamentais de sua doutrina. Eles admitem o corpo fluídico ou perispírito; o progresso indefinido da alma; a reencarnação ou pluralidade de existências, como necessidade do progresso; a pluralidade dos mundos habitados; a presença no meio de nós, das almas ou Espíritos que viveram na Terra e a continuação de sua solicitude pelos vivos; a perpetuidade das afeições; a solidariedade universal que liga os vivos e os mortos; os Espíritos de todos os mundos e, em consequência, a eficácia a prece; a possibilidade de comunicação com os Espíritos dos que não vivem mais; no homem, a visão espiritual ou psíquica, que é um efeito da alma.
Eles rejeitam o dogma das penas eternas, irremissíveis, como inconciliável com a justiça de Deus; mas admitem que a alma, depois da morte, sofre e suporta as consequências de todo o mal que praticou durante a vida, de todo o bem que poderia ter feito e não fez. Seus sofrimentos são a consequência natural de seus atos; eles duram enquanto durar a perversidade ou a inferioridade moral do Espírito; diminuem à medida que ele se melhora e cessam pela reparação do mal. Essa reparação se dá nas existências corporais sucessivas. Tendo sempre a sua liberdade de ação, o Espírito é, assim, o próprio artífice de sua felicidade e de sua desgraça, neste mundo e no outro. O homem não é levado fatalmente nem ao bem nem ao mal; ele realiza um e outro por sua vontade e se aperfeiçoa pela experiência. Em consequência deste princípio, os espíritas não admitem nem os demônios predestinados ao mal, nem a criação especial de anjos predestinados à felicidade infinita sem terem tido o trabalho de merecê-la. Os demônios são Espíritos humanos ainda imperfeitos, mas que melhorarão com o tempo; os anjos são Espíritos que atingiram a perfeição, depois de haverem passado, como os outros, por todos os graus da inferioridade.
O Espiritismo não admite, para cada um, senão a responsabilidade de seus próprios atos; segundo ele, o pecado original é pessoal; ele consiste nas imperfeições que cada indivíduo traz ao renascer, porque ainda não se despojou delas em suas existências precedentes, e cujas consequências ele naturalmente sofre na existência atual.
Também não admite, como suprema recompensa final, a inútil e beata contemplação dos eleitos durante a eternidade; mas, ao contrário, uma incessante atividade de alto a baixo da escala dos seres, em que cada um tem atribuições proporcionais no seu grau de adiantamento.
Esta é, em resumo muito sucinto, a base das crenças espíritas. A pessoa é espírita a partir do momento que entra nessa ordem de ideias, mesmo que não admitisse todos os pontos da doutrina na sua integridade ou em todas as suas consequências. Pelo fato de não ser espírita completo, ela não deixa de ser espírita, o que faz que por vezes seja espírita sem saber, algumas vezes sem querer confessá-lo e que, entre os sectários de diferentes religiões, muitos são espíritas de fato, mesmo que não sejam de nome.
A crença comum para os espiritualistas é acreditar num Deus criador, e admitir que, após a morte, a alma continue a existir, sob a forma de puro Espírito, completamente destacado de toda a matéria, e também que ela poderá, com ou sem a ressurreição de seu corpo material, gozar de uma existência eterna, feliz ou infeliz.
Os materialistas, ao contrário, creem que a força é inseparável da matéria e não pode existir sem ela; assim, Deus não é para eles senão uma hipótese gratuita, a menos que ele seja a própria matéria. Os materialistas negam com toda a sua força a concepção de uma alma essencialmente espiritual e da de uma personalidade sobrevivente à morte.
Sua crítica é fundada, no que concerne à alma, tal qual a aceitam os espiritualistas, em que, sendo a força inseparável da matéria, uma alma pessoal ativa e poderosa não pode existir como um ponto geométrico no espaço, sem dimensão de qualquer espécie, nem comprimento, nem largura, nem altura. Eles perguntam aos espiritualistas: Que força, que poder, que ação pode ter uma tal alma sobre o corpo durante a vida? Que progresso pode ela realizar, e de que maneira conserva sua individualidade, se ela nada é? Como poderia ela ser suscetível de felicidade ou infelicidade após a morte?
Não há que dissimular, essa argumentação é especiosa, mas ela é sem valor contra a doutrina dos espíritas. Eles efetivamente admitem a alma distinta do corpo, como os espiritualistas, com uma vida eterna e uma personalidade indestrutível, mas consideram essa alma como indissoluvelmente unida à matéria; não à matéria do próprio corpo, mas uma outra, mais etérea, fluídica e incorruptível, que chamam perispírito, palavra feliz que muito bem exprime o pensamento, que é a origem e a base do Espiritismo.
Se resumirmos as três doutrinas, diremos que, para os materialistas, a alma não existe, ou, se existe, confunde-se com a matéria, sem nenhuma personalidade distinta fora da vida presente, em que essa personalidade é mais aparente do que real.
Para os espiritualistas, a alma existe no estado de espírito, independente de Deus e de toda matéria.
Para os espíritas, a alma é distinta de Deus, que a criou, e inseparável de uma matéria fluídica e incorruptível que se pode chamar perispírito.
Esta explicação preliminar permitirá compreender que existam espíritas sem o saber.
Com efeito, a partir do momento em que não se é materialista nem espiritualista, não se pode deixar de ser espírita, a despeito da repugnância que alguns parecem experimentar por essa qualificação.
Ei-nos bem longe das apreciações fantasistas dos que imaginam que o Espiritismo não repousa senão na evocação dos Espíritos. Entretanto há espíritas que jamais fizeram uma evocação; outros que jamais as viram, nem estão interessados em vê-las, pois sua crença não precisa desse recurso. E, por não se apoiar senão na razão e no estudo, essa crença não é menos completa nem menos séria.
Pensamos mesmo que é sob sua forma filosófica e moral que o Espiritismo encontra os mais firmes e os mais convictos aderentes; as comunicações não passam de meio de convicção, de demonstração, e sobretudo de consolo. Não se deve a elas recorrer senão com reserva, e quando já se sabe bem o que se quer obter.
Não que as comunicações sejam apanágio dos Espíritos; muitas vezes elas ocorrem espontaneamente, e por vezes mesmo em meios hostis ao Espiritismo, do qual elas não dependem. Com efeito, não são senão o resultado de leis e de ações naturais que os Espíritos ou os homens podem utilizar, uns ou outros, quer independentemente, quer de acordo entre si.
Mas, assim como é prudente pôr instrumentos de Física, de Química e de Astronomia apenas na mão daqueles que sabem utilizá-los, convém não provocar comunicações senão quando possam ter uma utilidade real, e não com o fito de satisfazer uma curiosidade pueril.
Dito isto, podemos examinar a obra notável do Sr. Herrenschneider. É a obra de um profundo pensador e de um espírita senão completo pelo menos convicto, mas não concordamos com todas as conclusões a que ele chega.
O Sr. Herrenschneider admite a existência de um Deus criador, em toda parte presente na criação, penetrando todos os corpos com sua substância fluídica e se achando em nós como nós nele. É a notável solução que o Sr. Allan Kardec apresentou na sua Gênese, a título de hipótese.
Mas, segundo o autor, no começo Deus enchia todo o espaço; ele teria criado cada ser retirando-se do lugar que lhe concedia para lhe deixar o livre desenvolvimento, sob sua proteção incessante. Esse desenvolvimento progressivo opera-se, a princípio, sob o efeito necessário das leis da Natureza e pela coerção do mal; depois, quando o Espírito já progrediu suficientemente, ele pode juntar a sua própria ação à ação fatal das leis naturais, para ativar o seu progresso.
Durante toda essa fase da existência dos seres, que começa pela molécula do mineral, continua no vegetal, desenvolve-se no animal e se determina no homem, o Espírito recolhe e conserva conhecimentos por seu perispírito. Adquire, assim, uma certa experiência. Os progressos que se realizam são de grande lentidão, e quanto mais lentos eles são, mais multiplicadas são as encarnações.
Como se vê, o autor adota os princípios científicos do progresso dos seres, emitidos por Lamarck, Geoffroy Saint-Hilaire e Darwin, com a diferença que a ação moderadora das formas e dos órgãos animais já não é apenas o resultado da seleção e da concorrência vital, mas também, e sobretudo, o efeito da ação inteligente do espírito animal, modificando incessantemente as formas e a matéria, que ele reveste para realizar uma apropriação mais conforme à experiência que adquiriu.
É nesta ordem de ideias que queríamos ter visto o autor insistir sobre a ação benéfica e afetuosa dos seres mais elevados concorrendo para o adiantamento dos mais fracos, guiando-os e os protegendo por um sentimento de simpatia e de solidariedade, cujo desenvolvimento é felizmente apresentado no livro A Gênese e em todas as obras do Sr. Allan Kardec.
O Sr. Herrenschneider não fala na ação recíproca de uns seres sobre os outros, senão do triste ponto de vista da ação maléfica e do progresso necessário, que resulta do mal na Natureza. Sobre este ponto, ele bem compreendeu que o mal é apenas relativo, e que é uma das condições do progresso. Esta parte de seu trabalho é bem desenvolvida.
“Criados, diz ele, na extrema fraqueza, na extrema preguiça e devendo ser os meios do nosso próprio fim, nós somos obrigados a chegar à perfeição e ao poder, à felicidade e à liberdade por nossos próprios esforços; nosso destino é ser em tudo e por toda parte os filhos de nossas obras; é criar-nos a nossa unidade, a nossa personalidade, a nossa originalidade, assim como a nossa felicidade.
“Eis, em minha opinião, quais são os desígnios de Deus a nosso respeito. Mas, para consegui-lo, evidentemente o Criador não nos pode abandonar a nós mesmos, porque, criados nesse estado ínfimo e molecular, estamos naturalmente mergulhados num profundo entorpecimento; aí teríamos mesmo ficado perpetuamente, e jamais teríamos dado um passo à frente se, para nos despertar, para tornar sensível a nossa substância inerte, e para ativar a nossa força privada de iniciativa, Deus não nos tivesse submetido a um sistema de coerção, que nos prende à nossa origem, jamais nos deixa e nos força a desenvolver esforços para satisfazer às necessidades e aos instintos morais, intelectuais e materiais dos quais ele nos tomou escravos, por força do sistema de encarnação que dispôs para esse fim.”
Indo mais longe que os estóicos, que pretendiam que a dor não existia e que não passava de uma palavra, vê-se que os espíritas chegam a pronunciar a estranha fórmula que o próprio mal é um bem, no sentido que a ele conduz fatalmente, necessariamente.
Sobre tudo o que precede, fazemos ao autor a crítica de haver esquecido que a mais estreita solidariedade liga todos os seres, e que os melhores de todos são aqueles que, tendo compreendido melhor esse princípio, o colocam em ação incessantemente, de tal modo que todos os seres na Natureza concorrem para o objetivo geral e para o progresso uns dos outros: uns sem o saber e sob o impulso de seus guias espirituais; outros compreendendo o seu dever de elevar e de instruir os que os cercam ou que deles dependem e se ajudando com o concurso dos mais adiantados que eles próprios. Hoje todo mundo compreende que os pais devem aos seus filhos uma educação conveniente, e que aqueles que são felizes, instruídos e adiantados devem ajudar os pobres, os sofredores e os ignorantes.
Em consequência, deve-se compreender a utilidade da prece, que nos põe em relação com os Espíritos que podem guiar-nos. Não nos acontece pedir aos que vivem como nós, que são nossos superiores ou nossos iguais, e nossa vida pode se passar sem este perpétuo apelo que fazemos à ajuda dos outros? Não é, pois, admirável que, entendendo-nos, os que já não vivem sejam igualmente sensíveis às nossas preces, na medida do que podem fazer, como, aliás, o teriam feito em vida. Por vezes damos a quem não pediu, mas damos sobretudo aos que pedem. Batei, e abrir-se-vos-á; pedi, e se for possível, sereis atendidos.
Não creiais que tudo vos seja devido e que devais esperar os benefícios sem pedi-los e sem merecê-los; não creiais que tudo chegue fatalmente e necessariamente, mas, ao contrário, refleti que estais no meio de seres livres e voluntários, tão numerosos quanto a areia do mar, e que a sua ação pode juntar-se à vossa, a vosso pedido e segundo a sua simpatia, que é preciso saber merecer.
Orar é um meio de agir sobre os outros e sobre si mesmo, mas não é este o momento de desenvolver tão importante assunto. Digamos apenas que a prece não vale senão quando acompanha o esforço ou o trabalho, e nada pode sem ele, ao passo que o trabalho e os esforços generosos podem muito bem substituir a prece. É sobretudo entre os espíritas que se admite este velho refrão: “Trabalhar é orar.”
A parte mais interessante do livro do Sr. Herrenschneider é aquela onde ele faz o que se poderia chamar a psicologia da alma, concebida de tal forma que os espíritas a compreendem, e sob este ponto de vista, seu trabalho é novo e dos mais curiosos.
O autor determina claramente os fenômenos que dependem do perispírito, e como ele mantém à disposição do espírito a soma inteira de seus progressos anteriores, conservando o traço dos esforços e dos progressos novos tentados e realizados pelo ser, seja em que momento for.
Conforme esses dados, a natureza da alma ou perispírito deve ser considerada como um tesouro adquirido, conservado em nós e encerrando tudo o que concerne ao nosso ser na ordem moral, intelectual e prática.
Evitaremos servir-nos dos termos adotados pelo autor que, para exprimir que a alma pode agir, quer pelo efeito de seu tesouro adquirido ou natureza íntima (perispírito), quer por um esforço novo ou ação voluntária, se serve da expressão dualidade da alma, embora fazendo notar que a alma é una. Aí está uma expressão infeliz, que não exprime o verdadeiro pensamento do autor e que poderia prestar-se à confusão para um espírito pouco atento.
O Sr. Herrenschneider crê na unidade da alma, como os espíritas; como esses, ele admite a existência do perispírito, o que lhe permite fazer uma fina crítica da psicologia dos espiritualistas que estuda mais especialmente segundo as obras do Sr. Cousin.
Partindo do mesmo ponto que Sócrates e Descartes: o conhecimento de si mesmo, o autor estabelece o fato primordial de onde resultam todos os conhecimentos, isto é, a afirmação de nós mesmos, feita cada vez que empregamos a palavra eu; a afirmação do eu é, pois, a verdadeira base da psicologia. Ora, há várias manifestações desse eu que se apresentam à nossa observação, sem que uma tenha qualquer prioridade sobre as outras e sem que se engendrem reciprocamente: Eu me sinto, ─ eu me sei, ─ eu tenho consciência de minha individualidade, ─ eu tenho o desejo de ser satisfeito. Estes dois últimos fatos de consciência são evidentes e claros por si mesmos; eles constituem o princípio da unidade do ser e o de nossa causa final ou destino, a saber: ser feliz.
Para se sentir e para se saber, é preciso notar que se tem perfeita consciência de se sentir sem ter necessidade de fazer qualquer esforço; ao contrário, a percepção do sentir é um ato que resulta de um esforço da mesma ordem que a atenção; a partir do momento que eu não faço mais esforço, não penso mais nem presto atenção, e então sinto todas as coisas exteriores que me causam impressão, até o momento em que uma delas me fere bastante vivamente para que eu a examine, a ela dedicando a minha atenção. Assim, eu posso pensar ou sentir, ser impressionado ou perceber, e julgar minha impressão quando eu quiser.
Há aí duas ordens psicológicas diferentes, heterogêneas, uma das quais é passiva e se caracteriza pela sensibilidade e pela permanência: é o sentir; e a outra é ativa, e se distingue pelo esforço da atenção e por sua intermitência: é o pensamento voluntário.
É a partir dessa observação que o autor chega a concluir pela existência do perispírito, por uma série e deduções muito interessantes, mas muito longas para relatar aqui.
Para o Sr. Herrenschneider, o perispírito, ou substância da alma, é uma matéria simples, incorruptível, inerte, extensa, sólida e sensível; é o princípio potencial que, por sua sutileza, recebe todas as impressões, assimila-as, conserva-as e se transforma, sob essa ação incessante, de maneira a encerrar toda a nossa natureza moral, intelectual e prática.
A força da alma é de ordem virtual, espiritual, ativa, voluntária e refletida; é o princípio de nossa atividade. Por toda parte onde se encontre o nosso perispírito, encontra-se igualmente a nossa força. Do perispírito ou do tesouro adquirido de nossa natureza dependem a nossa sensibilidade, as nossas sensações, os nossos sentimentos, a nossa memória, a nossa imaginação, as nossas ideias, o nosso bomsenso, a nossa espontaneidade, a nossa natureza moral e os nossos princípios de honra, assim como os sonhos, as paixões e a própria loucura.
De nossa força derivam, como qualidades virtuais, a atenção, a percepção, a razão, a lembrança, a fantasia, o humor, o pensamento, a razão, a reflexão, a vontade, a virtude, a consciência e a vigilância, assim como o sonambulismo, a exaltação e a monomania.
Levando-se em conta que estas qualidades podem substituir-se uma à outra, sem se excluírem, e também que os mesmos órgãos devem ser empregados tanto para a percepção quanto para a sensação, que se equivalem, pelo sentimento quanto pela razão etc., daí resulta que cada Espírito raramente se serve das duas ordens de suas faculdades com a mesma facilidade. Desta observação resulta para o autor que os indivíduos que funcionam mais facilmente, em virtude das faculdades ditas potenciais, terão estas mais desenvolvidas que os outros, e delas se servirão mais à vontade, e reciprocamente.
Deste ponto de vista e de uma observação relativa à mais ou menos grande força virtual de certas coletividades de indivíduos, geralmente agrupados sob um mesmo nome de raça, o autor chega à conclusão que existem Espíritos que se podem chamar Espíritos franceses, ingleses, italianos, chineses ou negros etc.
A despeito das dificuldades de explicação que resultariam de uma tal ordem de ideias, há que convir que os estudos muito esmerados feitos pelo Sr. Herrenschneider sobre os diversos povos são muito notáveis e, em todo caso, muito interessantes; mas desejaríamos que o autor tivesse indicado seu pensamento mais claramente, e que evidentemente é o seguinte: Os Espíritos se agrupam, em geral, segundo as suas afinidades; é o que faz que Espíritos da mesma ordem e do mesmo grau de elevação tendam a encarnar-se num mesmo ponto do globo, e daí resulta esse caráter nacional, fenômeno em aparência tão singular. Diremos, pois, que não há Espíritos franceses ou ingleses, mas que há Espíritos cujo estado, hábitos, tradições impelem uns a se encarnarem na França, outros na Inglaterra, como os vemos, durante a sua vida, agrupar-se segundo as suas simpatias, seu valor moral e seus caracteres. Quanto ao progresso individual, depende sempre da vontade, e não do valor já adquirido do perispírito que não serve, por assim dizer, senão como um ponto de partida destinado a permitir uma nova elevação do Espírito, novas conquistas e novos progressos.
Deixamos de lado a parte do livro que trata da ordem social e da necessidade de uma religião imposta, porque o autor, ainda imbuído dos princípios de autoridade que ele adquiriu no sansimonismo, afasta-se muito, neste ponto, dos princípios de tolerância absoluta, que o Espiritismo se gloria de professar. Achamos justo ensinar, mas temeríamos uma doutrina imposta e necessária, porque, se fosse excelente para a geração atual, forçosamente tornar-se-ia um entrave para as gerações seguintes, quando estas tivessem progredido.
O Sr. Herrenschneider não compreende que a moral possa ser independente da religião. Em nossa opinião, a questão está mal posta, e cada um a discute justamente do ponto de vista em que tem razão. Os moralistas independentes estão certos quando dizem que a moral é independente dos dogmas religiosos, no sentido que, sem crer em nenhum dos dogmas existentes, muitos dos antigos foram moralizados, e entre os modernos há, e muitos, que têm o direito de gabar-se de o ser. Mas o que é certo é que a moral, e sobretudo a sua aplicação prática, é sempre dependente de nossas crenças individuais, sejam quais forem. Ora, ainda que fosse das mais filosóficas, uma crença constitui a religião daquele que a possui.
Isto se demonstra facilmente pelos fatos diários da existência, e os moralistas, que se dizem independentes, têm, eles próprios, como crença, que é preciso respeitar a si mesmo e aos outros, desenvolvendo o mais possível, em si e nos outros, os elementos do progresso. Sua moral dependerá, pois, de sua crença; suas ações forçosamente dela ressentir-se-ão, e essa moral não será independente senão das religiões, das crenças e dos dogmas nos quais eles não acreditam, o que achamos muito justo e racional, mas também muito elementar.
O que se pode dizer é que, no estado atual da nossa Sociedade, há princípios de moral que estão de acordo com todas as crenças individuais, sejam quais forem, porque os indivíduos modificaram crenças religiosas sobre certos pontos, em virtude dos progressos científicos e morais dos quais os nossos antepassados fizeram a feliz conquista.
Terminaremos dizendo que o autor é, sob muitos pontos, discípulo de Jean Reynaud. Seu livro é o resumo de estudos e pensamentos sérios expressos claramente e com força. Ele é feito com um cuidado digno de louvor, e esse cuidado vai até a minúcia nos detalhes materiais da impressão, o que tem sua grande importância para a clareza de um livro tão sério.
Malgrado o desacordo profundo que nos separa do Sr. Herrenschneider, tanto a respeito de sua maneira de ver para impor a religião, quanto sobre suas ideias relativas à autoridade, à família, que ele esqueceu muito, assim como quanto à prece, à solidariedade benevolente dos Espíritos, que ele não soube apreciar, etc., ideias que o próprio Jean Reynaud já havia desaprovado, é impossível não ser tocado pelo mérito da obra e pelo valor do homem que soube achar pensamentos fortes, muitas vezes justos e sempre claramente expressos.
O Espiritismo aí é claramente dado como verdadeiro, pelo menos nos seus princípios fundamentais, e levado em consideração nos elementos da ciência filosófica; há, contudo, no ponto de partida, uma diferença: O autor chega ao resultado por indução, ao passo que o Espiritismo, procedendo por via experimental, fundamentou sua teoria na observação dos fatos. É um escritor muito sério, o que lhe dá o direito de confiabilidade.
EMILE BARRAULT, engenheiro.
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* 1 vol. in-12; 600 páginas. Preço 5 francos; pelo correio, 5,75 francos. Dentu, Palais-Royal.