Terceira carta
Mui venerada Imperatriz,
A sorte exterior de cada alma despojada de seu corpo corresponderá ao seu estado interior, isto é, tudo lhe aparecerá tal qual é ela mesma. À boa, tudo aparecerá no bem; o mal só aparecerá às almas dos maus. Naturezas amáveis cercarão a alma amável; a alma odienta atrairá a si naturezas odientas. Cada alma se verá a si própria refletida nos Espíritos que se lhe assemelham. O bom tornar-se-á melhor e será admitido nos círculos compostos de seres que lhe são superiores; o santo tornar-se-á mais santo apenas pela contemplação dos Espíritos mais puros e mais santos que ele; o Espírito amoroso tornar-se-á ainda mais amoroso; mas, também, cada ser malvado tornar-se-á pior apenas por seu contato com outros seres malvados. Se já na Terra nada é mais contagioso e mais atraente do que a virtude e o vício, o amor e o ódio, do mesmo modo, no além-túmulo, toda perfeição moral e religiosa, bem como todo sentimento imoral é irreligioso, devem necessariamente tornar-se ainda mais atraentes e contagiosos.
Vós, mui honrada Imperatriz, tornar-vos-eis todo amor nos círculos de almas benevolentes.
O que ainda restar em mim de egoísmo, de amor-próprio, de tibieza para o reino e os desígnios de Deus, será inteiramente engolido pelo sentimento de amor, se ele foi predominante em mim, e depurar-se-á ainda sem cessar, pela presença e o contato dos Espíritos puros e amorosos.
Depurados pelo poder de nossa aptidão para amar, largamente exercido aqui embaixo; purificados ainda mais, pelo contato e pela radiação, sobre nós, do amor dos Espíritos puros e elevados, seremos gradualmente preparados para a visão direta do mais perfeito amor, para que não nos possa deslumbrar, nos amedrontar e nos impedir de gozá-lo com delícias.
Mas como, mui venerada Imperatriz, um fraco mortal poderia, ousaria fazer uma ideia da contemplação desse amor personificado? E tu, caridade inesgotável! Como te poderias aproximar daquele que bebe em ti só o amor, sem amedrontá-lo e sem deslumbrá-lo?
Penso que no começo ele aparecerá invisivelmente ou sob uma forma irreconhecível.
Não agiu ele sempre desta maneira? Quem amou mais invisivelmente do que Jesus? Quem, melhor que ele, sabia representar a individualidade incompreensível do desconhecido? Quem, melhor que ele, soube tornar-se irreconhecível, ele que podia fazer-se conhecer melhor que nenhum mortal ou qualquer Espírito imortal? Ele, que todos os céus adoram, veio sob a forma de um modesto operário e até a morte conservou a individualidade de um Nazareno. Mesmo depois de sua ressurreição, primeiro apareceu sob uma forma irreconhecível e só depois se fez reconhecer. Penso que ele conservará sempre esse modo de ação, tão análogo à sua natureza, à sua sabedoria e ao seu amor. É sob a forma de um jardineiro que ele apareceu a Maria no jardim onde ela o procurava e onde já perdia a esperança de encontrá-lo. Não reconhecido a princípio, só foi identificado instantes depois.
Foi também sob uma forma irreconhecível que ele se aproximou de dois de seus discípulos que caminhavam cheios dele e o aspiravam. Ele caminhou muito tempo ao lado deles; seus corações queimavam numa chama santa; eles sentiam a presença de algum ser puro e elevado, mas antes de outro que não ele; eles não o reconheceram senão no momento de partir o pão, no momento de seu desaparecimento, e quando, ainda na mesma noite, o viram em Jerusalém. A mesma coisa ocorreu às bordas do lago de Tiberíades, quando, radiante em sua glória deslumbrante, ele apareceu a Saul.
Como todas as ações de nosso Senhor, todas as suas palavras e todas as suas revelações são sublimes e dramáticas!
Tudo segue uma marcha incessante que, impelindo sempre para a frente, se aproxima cada vez mais de um objetivo que entretanto não é o objetivo final. O Cristo é o herói, o centro, o personagem principal, ora visível, ora invisível, nesse grande drama de Deus, tão admiravelmente simples e ao mesmo tempo complicado, que jamais terá fim, embora parecesse ter acabado mil vezes.
Ele aparece sempre, a princípio irreconhecível, na existência de cada um de seus adoradores. Como o amor poderia recusar-se a aparecer ao ser que o ama, no momento exato em que este dele tem maior necessidade?
Sim, tu, o mais humano dos homens, tu aparecerás aos homens da maneira mais humana! Tu aparecerás à alma amorosa a quem escrevo! Tu me aparecerás também, a princípio irreconhecível e depois tu te farás reconhecer por nós. Nós te veremos uma infinidade de vezes, sempre outro e sempre o mesmo, sempre mais belo, à medida que nossa alma se melhorar, e nunca pela última vez.
Elevemo-nos mais vezes para essa ideia embriagadora que com a permissão de Deus tentarei esclarecer mais amplamente em minha próxima carta, e de vos tornar mais impressionante, por uma comunicação dada por um defunto.
01.09.1798
LAVATER.