Correspondência inédita de lavater - Com a imperatriz Maria da Rússia (Continuação: Vide o número de março de 1868)
Terceira carta
Mui venerada Imperatriz,
A sorte exterior de cada alma despojada de seu corpo corresponderá ao seu estado interior, isto é, tudo lhe aparecerá tal qual é ela mesma. À boa, tudo aparecerá no bem; o mal só aparecerá às almas dos maus. Naturezas amáveis cercarão a alma amável; a alma odienta atrairá a si naturezas odientas. Cada alma se verá a si própria refletida nos Espíritos que se lhe assemelham. O bom tornar-se-á melhor e será admitido nos círculos compostos de seres que lhe são superiores; o santo tornar-se-á mais santo apenas pela contemplação dos Espíritos mais puros e mais santos que ele; o Espírito amoroso tornar-se-á ainda mais amoroso; mas, também, cada ser malvado tornar-se-á pior apenas por seu contato com outros seres malvados. Se já na Terra nada é mais contagioso e mais atraente do que a virtude e o vício, o amor e o ódio, do mesmo modo, no além-túmulo, toda perfeição moral e religiosa, bem como todo sentimento imoral é irreligioso, devem necessariamente tornar-se ainda mais atraentes e contagiosos.
Vós, mui honrada Imperatriz, tornar-vos-eis todo amor nos círculos de almas benevolentes.
O que ainda restar em mim de egoísmo, de amor-próprio, de tibieza para o reino e os desígnios de Deus, será inteiramente engolido pelo sentimento de amor, se ele foi predominante em mim, e depurar-se-á ainda sem cessar, pela presença e o contato dos Espíritos puros e amorosos.
Depurados pelo poder de nossa aptidão para amar, largamente exercido aqui embaixo; purificados ainda mais, pelo contato e pela radiação, sobre nós, do amor dos Espíritos puros e elevados, seremos gradualmente preparados para a visão direta do mais perfeito amor, para que não nos possa deslumbrar, nos amedrontar e nos impedir de gozá-lo com delícias.
Mas como, mui venerada Imperatriz, um fraco mortal poderia, ousaria fazer uma ideia da contemplação desse amor personificado? E tu, caridade inesgotável! Como te poderias aproximar daquele que bebe em ti só o amor, sem amedrontá-lo e sem deslumbrá-lo?
Penso que no começo ele aparecerá invisivelmente ou sob uma forma irreconhecível.
Não agiu ele sempre desta maneira? Quem amou mais invisivelmente do que Jesus? Quem, melhor que ele, sabia representar a individualidade incompreensível do desconhecido? Quem, melhor que ele, soube tornar-se irreconhecível, ele que podia fazer-se conhecer melhor que nenhum mortal ou qualquer Espírito imortal? Ele, que todos os céus adoram, veio sob a forma de um modesto operário e até a morte conservou a individualidade de um Nazareno. Mesmo depois de sua ressurreição, primeiro apareceu sob uma forma irreconhecível e só depois se fez reconhecer. Penso que ele conservará sempre esse modo de ação, tão análogo à sua natureza, à sua sabedoria e ao seu amor. É sob a forma de um jardineiro que ele apareceu a Maria no jardim onde ela o procurava e onde já perdia a esperança de encontrá-lo. Não reconhecido a princípio, só foi identificado instantes depois.
Foi também sob uma forma irreconhecível que ele se aproximou de dois de seus discípulos que caminhavam cheios dele e o aspiravam. Ele caminhou muito tempo ao lado deles; seus corações queimavam numa chama santa; eles sentiam a presença de algum ser puro e elevado, mas antes de outro que não ele; eles não o reconheceram senão no momento de partir o pão, no momento de seu desaparecimento, e quando, ainda na mesma noite, o viram em Jerusalém. A mesma coisa ocorreu às bordas do lago de Tiberíades, quando, radiante em sua glória deslumbrante, ele apareceu a Saul.
Como todas as ações de nosso Senhor, todas as suas palavras e todas as suas revelações são sublimes e dramáticas!
Tudo segue uma marcha incessante que, impelindo sempre para a frente, se aproxima cada vez mais de um objetivo que entretanto não é o objetivo final. O Cristo é o herói, o centro, o personagem principal, ora visível, ora invisível, nesse grande drama de Deus, tão admiravelmente simples e ao mesmo tempo complicado, que jamais terá fim, embora parecesse ter acabado mil vezes.
Ele aparece sempre, a princípio irreconhecível, na existência de cada um de seus adoradores. Como o amor poderia recusar-se a aparecer ao ser que o ama, no momento exato em que este dele tem maior necessidade?
Sim, tu, o mais humano dos homens, tu aparecerás aos homens da maneira mais humana! Tu aparecerás à alma amorosa a quem escrevo! Tu me aparecerás também, a princípio irreconhecível e depois tu te farás reconhecer por nós. Nós te veremos uma infinidade de vezes, sempre outro e sempre o mesmo, sempre mais belo, à medida que nossa alma se melhorar, e nunca pela última vez.
Elevemo-nos mais vezes para essa ideia embriagadora que com a permissão de Deus tentarei esclarecer mais amplamente em minha próxima carta, e de vos tornar mais impressionante, por uma comunicação dada por um defunto.
01.09.1798
LAVATER.
Quarta carta
Em minha carta precedente, mui venerada Imperatriz, prometi vos enviar a carta de um defunto a seu amigo da Terra. Ela poderá melhor vos fazer compreender e captar minhas ideias sobre o estado de um cristão após a morte de seu corpo. Tomo a liberdade de juntá-la a esta. Julgai-a do ponto de vista que vos indiquei, e tende a bondade de prestar mais atenção para o assunto principal do que para alguns detalhes particulares que o cercam, embora eu tenha razões para supor que estes últimos também encerrem alguma coisa de verdadeiro.
Para a compreensão das matérias que vos exporei na continuação, sob esta forma, creio necessário vos fazer notar que tenho quase certeza que, malgrado a existência de uma lei geral, idêntica e imutável, de castigo e de felicidade suprema, cada Espírito, segundo o seu caráter individual, não somente moral e religioso, mas mesmo pessoal e oficial, terá sofrimentos a suportar após a sua morte terrestre e gozará de felicidades que serão apropriadas exclusivamente a ele. A lei geral individualizar-se-á para cada indivíduo em particular, isto é, ela produzirá em cada um, um efeito diferente e pessoal, exatamente como o mesmo raio de luz, atravessando um vidro colorido, convexo ou côncavo, dele tira, em parte, a sua cor e a sua direção. Eu queria, pois, que ele fosse aceito positivamente: que, embora todos os Espíritos bem-aventurados, menos felizes ou sofredores, se encontrem sob a mesma lei muito simples de semelhança ou dessemelhança com o mais perfeito amor, deve-se presumir que o caráter substancial, pessoal, individual de cada Espírito constitua um estado de sofrimento ou de felicidade essencialmente diferente do estado de sofrimento ou de felicidade de outro Espírito. Cada um sofre de uma maneira que difere do sofrimento de outro, e sente prazeres que um outro não seria capaz de sentir. A cada um dos mundos, material e imaterial, Deus e o Cristo se apresentam sob uma forma particular, sob a qual não aparecem a ninguém, senão a ele. Cada um tem seu ponto de vista que não pertence senão a si próprio. A cada Espírito, Deus fala uma língua só por ele compreensível. Com cada um ele se comunica em particular e lhe concede prazeres que só ele está em estado de experimentar e conter.
Esta ideia, que considero uma verdade, serve de base a todas as comunicações seguintes, dadas por Espíritos desencarnados aos seus amigos da Terra.
Sentir-me-ei feliz ao saber que compreendestes como cada homem, pela formação de seu caráter individual e pelo aperfeiçoamento de sua individualidade, pode preparar para si mesmo prazeres particulares e uma felicidade adequada a si só.
Como nada esquecemos tão depressa e nada é menos procurado pelos homens do que essa felicidade apropriada a cada indivíduo, embora cada um tenha toda a possibilidade de proporcioná-la a si próprio e dela desfrutar, tomo a liberdade, sábia e venerada Imperatriz, de vos rogar com instância vos digneis analisar com atenção esta ideia que certamente não podeis olhar como inútil para a vossa própria edificação e vossa elevação para Deus: O próprio Deus colocou-se e colocou o Universo no coração de cada homem.
Todo homem é um espelho particular do Universo e de seu Criador. Façamos, pois, todos os nossos esforços, mui venerada Imperatriz, para manter esse espelho tão puro quanto possível, para que Deus possa aí se ver a si mesmo e a sua mil vezes bela criação, refletidos para sua satisfação.
JEAN-GASPAR LAVATER.
Zurique, 14 de setembro de 1798.
Carta de um defunto a seu amigo na Terra (Sobre o Estado dos Espíritos desencarnados)
Enfim, meu bem-amado, me é possível satisfazer, embora apenas em parte, o meu e o teu desejo de informar-te alguma coisa acerca do meu estado atual. Desta vez não te posso dar senão pouquíssimos detalhes. No futuro, tudo dependerá do uso que fizeres de minhas comunicações.
Sei que o desejo que experimentas de ter noções sobre mim, como em geral sobre o estado de todos os Espíritos desencarnados, é muito grande, mas não ultrapassa o meu de te ensinar o que é possível revelar. O poder de amar daquele que amou no mundo material, aumenta inexprimivelmente quando ele se torna cidadão do mundo material. Com o amor também aumenta o desejo de informar àqueles que ele conheceu, aquilo que ele pode, o que lhe é permitido transmitir.
Devo começar por explicar-te, meu bem-amado, a ti que amo a cada dia mais, por qual meio me é possível escrever-te, sem poder, ao mesmo tempo, tocar o papel e conduzir a pena, e como te posso falar numa língua inteiramente terrestre e humana que em meu estado habitual eu não compreendo.
Esta indicação deve servir-te apenas de traço de luz, para poderes compreender como deves encarar o nosso estado presente.
Imagina meu estado atual diferente do precedente, mais ou menos como o estado da borboleta voejando no ar difere de seu estado de crisálida. Eu sou justamente essa crisálida transfigurada e emancipada, já tendo sofrido duas metamorfoses. Exatamente como a borboleta volita em redor das flores, nós voejamos muitas vezes em torno da cabeça dos bons, mas não sempre. Uma luz invisível para vós, mortais, ou pelo menos visível apenas para bem poucos dentre vós, irradia ou brilha docemente ao redor da cabeça de todo homem bom, amante e religioso. A ideia da auréola com a qual cercam a cabeça dos santos, é essencialmente verdadeira e racional. Levando-se em conta que todo ser bemaventurado só o é pela luz, quando essa luz se compatibiliza com a nossa, ela o atrai para si, conforme o grau de sua claridade compatível com a nossa. Nenhum Espírito impuro ousa e pode aproximar-se dessa santa luz. Fixando-nos nessa luz, acima da cabeça do homem bom e piedoso, podemos ler incontinenti em seu espírito. Vemolo tal qual ele é em realidade. Cada raio que dele sai é para nós uma palavra, por vezes todo um discurso; respondemos aos seus pensamentos. Ele ignora que somos nós que respondemos. Nele excitamos ideias que, sem a nossa ação, ele jamais teria estado em condições de conceber, embora a disposição e a aptidão para recebê-las sejam inatas em sua alma.
O homem digno de receber a luz torna-se, assim, um órgão útil e muito proveitoso para o Espírito simpático que deseja transmitir-lhe as suas luzes.
Encontrei um Espírito, ou melhor, um homem acessível à luz, do qual pude aproximar-me, e é por seu órgão que te falo. Sem sua intermediação ter-me-ia sido impossível comunicar-me contigo humanamente, verbalmente, palpavelmente, muma palavra, escrever-te.
Desta maneira, pois, recebes uma carta anônima da parte de um homem que não conheces, mas que nutre em si uma forte tendência para as matérias ocultas e espirituais. Eu plano acima dele; posto-me sobre ele, mais ou menos como o mais divino de todos os Espíritos se postou sobre o mais divino de todos os homens, após o seu batismo; suscito-lhe ideias; ele as transcreve sob a minha intuição, sob a minha direção, por efeito da minha radiação. Por um leve toque, faço vibrarem as cordas de sua alma de maneira conforme à sua individualidade e à minha. Ele escreve o que desejo fazê-lo escrever; escrevo por seu intermédio; minhas ideias tornam-se as suas. Ele se sente feliz escrevendo. Torna-se mais livre, mais animado, mais rico em ideias. Parece-lhe que vive e plana num elemento mais alegre, mais claro. Ele anda devagar, como um amigo que conduz um amigo pela mão, e é desta maneira que de mim recebes uma carta. Aquele que escreve supõe-se livre e o é muito realmente.
Ele não sofre nenhuma violência; é livre como o são dois amigos que, andando
de braço dado, entretanto se conduzem reciprocamente.
Tu deves sentir que meu Espírito se acha em relação direta com o teu; concebes o que te digo; entendes os meus mais íntimos pensamentos.
É bastante por esta vez. O dia em que ditei esta carta chama-se, entre vós, 15 de setembro de 1798.
Quinta carta
Mui venerada Imperatriz,
Novamente uma pequena carta que chega do mundo invisível.
No futuro, se Deus o permitir, as comunicações seguir-se-ão mais de perto.
Esta carta contém uma parte muito pequena do que pode ser dito a um mortal, sobre a aparição e a visão do Senhor. É simultaneamente e sob milhões de formas diferentes que o Senhor aparece às miríades de seres. Ele quer e se multiplica ele próprio por suas inúmeras criaturas, individualizando-se, ao mesmo tempo, para cada uma delas em particular.
A vós, Imperatriz, ao vosso Espírito de luz, ele aparecerá um dia, como apareceu a Maria Madalena, no jardim do sepulcro. De sua boca divina ouvireis um dia, quando sentirdes a maior necessidade, e quando menos o esperardes, vos chamar por vosso nome Maria. Rabbi! respondereis ao seu chamado, penetrada do mesmo sentimento de felicidade suprema que penetrou Madalena, e cheia de adoração, como o apóstolo Tomé, direis: Meu Senhor e meu Deus!
Apressamo-nos por atravessar noites de trevas para chegar à luz; passamos pelos desertos para chegar à terra prometida; sofremos as dores do nascimento para renascer para a verdadeira vida.
Que Deus e o vosso Espírito estejam convosco e vosso Espírito.
Zurique, 13 de novembro de 1798.
JEAN-GASPAR LAVATER.
Carta de um Espírito bem-aventurado (Ao seu amigo da Terra sobre a primeira visão do Senhor)
Caro amigo,
De mil coisas com que desejaria entreter-te, não direi, desta vez, senão uma que te interessará mais que todas as outras. Obtive autorização para fazê-lo. Os Espíritos nada podem fazer sem uma permissão especial. Eles vivem sem a sua própria vontade, somente na vontade do Pai celeste, que transmite suas ordens a milhares de seres ao mesmo tempo, como se fosse uma só, e responde instantaneamente sobre uma infinidade de assuntos, a milhares de suas criaturas que a ele se dirigem.
Como te fazer compreender de que maneira eu vejo o Senhor? Oh! De uma maneira muito diferente daquela que vós, seres ainda mortais, podeis imaginá-lo.
Depois de muitas aparições, instruções, explicações e prazeres que me foram concedidos pela graça do Senhor, eu uma vez atravessei uma região paradisíaca, com cerca de doze outros Espíritos que tinham subido mais ou menos os mesmos degraus da perfeição que eu. Nós planamos, volitamos um ao lado do outro, numa suave e agradável harmonia, como que formando uma leve nuvem, e nos parecia experimentar o mesmo arrastamento, a mesma propensão para um objetivo muito elevado. Nós nos pressionávamos cada vez mais um contra o outro. À medida que avançávamos, tornávamo-nos cada vez mais íntimos, mais livres, mais alegres, gozando mais e cada vez mais aptos a gozar, e nos dizíamos: “Oh! Como é bom e misericordioso aquele que nos criou! Aleluia ao Criador! Foi o amor que nos criou! Aleluia ao Ser amante!” Animados por tais sentimentos, prosseguíamos o nosso voo e paramos perto de uma fonte.
Aí sentimos a aproximação de uma brisa leve. Ela não trazia nem um homem, nem um anjo, entretanto o que avançava para nós era qualquer coisa de tão humano, que atraiu toda a nossa atenção. Uma luz resplandecente, semelhante, de certo modo, à dos Espíritos bem-aventurados, mas não a ultrapassando, nos inundou. “Aquele também é dos nossos! pensamos simultaneamente e como por intuição.” Ela desapareceu, e a princípio pareceu-nos que estávamos privados de alguma coisa. “Que ser extraordinário! dissemo-nos. Que conduta real, e ao mesmo tempo que graça infantil! Que amenidade e que majestade!”
Enquanto assim falávamos a nós mesmos, subitamente uma forma graciosa nos apareceu, saindo de um delicioso bosque, e nos fez uma saudação amiga. O recém- chegado não parecia a aparição precedente, mas ele tinha, também, algo de superiormente elevado e ao mesmo tempo de inexprimivelmente simples.
─ Sede bem-vindos, irmãos e irmãs! disse ele.
Respondemos a uma voz:
─ Sê bem-vindo tu, ó abençoado do Senhor! O Céu se reflete em tua face e o amor de Deus irradia de teus olhos!
─ Quem sois vós? perguntou o desconhecido.
─ Somos os felizes adoradores do todo-poderoso Amor, respondemos.
─ Quem é o todo-poderoso Amor? perguntou-nos ele, com uma graça perfeita.
─ Não conheces o todo-poderoso Amor? perguntamos, por nossa vez, ou melhor, fui eu que lhe dirigi a pergunta, em nome de todos.
─ Eu o conheço, disse o desconhecido, com uma voz ainda mais doce.
─ Ah! Se pudéssemos ser dignos de vê-lo e ouvir a sua voz! Mas não nos sentimos bastante depurados para merecer contemplar diretamente a mais santa pureza.
Em resposta a estas palavras, ouvimos retinir atrás de nós uma voz que nos disse:
─ Estais lavados de toda mancha, estais purificados. Sois declarados justos por Jesus Cristo e pelo Espírito do Deus vivo!
Uma felicidade inexprimível manifestou-se em nós, no momento em que, virando-nos na direção de onde partia a voz, queríamos ajoelhar-nos para adorar o interlocutor invisível.
O que aconteceu? Cada um de nós ouviu instantaneamente um nome, que jamais tinha ouvido pronunciar, mas que cada um compreendeu e ao mesmo tempo reconheceu ser o seu próprio novo nome, expresso pela voz do desconhecido. Espontaneamente, com a rapidez do relâmpago, nós nos voltamos, como um ser único, para o adorável interlocutor, que nos apostrofou assim, com uma graça indizível:
─ Encontrastes o que buscáveis. Aquele que me vê, vê também o todopoderoso Amor. Eu conheço os meus e os meus me conhecem. Eu dou às minhas ovelhas a vida eterna e elas não morrerão na eternidade; ninguém as arrancará de minhas mãos, nem das de meu Pai. Eu e meu Pai somos um!
Como poderia eu exprimir em palavras a doce e suprema felicidade em que nos expandimos quando aquele que a cada momento se tornava mais luminoso, mais gracioso, mais sublime, estendeu para nós os seus braços e pronunciou as seguintes palavras, que vibrarão eternamente para nós, e que nenhum poder será capaz de fazer desaparecer de nossos ouvidos e de nossos corações:
─ Vinde aqui, vós, eleitos de meu Pai: herdai o reino que vos foi preparado desde o começo do Universo.
Depois disto, abraçou-nos a todos simultaneamente e desapareceu. Guardamos silêncio, e sentindo-nos estreitamente unidos para a eternidade, nos derramamos, sem nos movermos, um no outro, docemente e cheios de uma felicidade suprema. O Ser infinito tornou-se uno conosco e ao mesmo tempo nosso tudo, nosso céu, nossa vida no seu mais verdadeiro sentido. Mil vidas novas pareceram nos penetrar. Nossa existência anterior extinguiu-se para nós; recomeçamos a ser; ressentimos a imortalidade, isto é, uma superabundância de vida e de forças que levava o cunho da indestrutibilidade.
Enfim, recuperamos a palavra. Ah! Se eu pudesse te transmitir, ainda que um único som, de nossa alegre adoração!
“Ele existe! Nós somos! Por ele, por ele só! ─ Ele é ─ seu ser não é senão vida e amor! - Aquele que o vê, vive e ama, é inundado de eflúvios da imortalidade e do amor provindo de sua face divina, de seu olhar cheio de felicidade suprema!
“Nós te vimos, amor todo-poderoso! Tu te mostraste a nós sob a forma humana, Tu, Deus dos deuses! E contudo Tu não foste nem homem, nem Deus, Tu HomemDeus!
“Tu não foste senão amor, todo-poderoso apenas como amor! ─ Tu nos sustentaste por tua onipotência, para impedir que a força, mesmo atenuada por teu amor, não nos absorvesse nela.
“És Tu, és Tu? ─ Tu, que todos os céus glorificam; ─ Tu, oceano de beatitude; ─ Tu, onipotência; ─ Tu, que outrora, encarnando-te nos ossos humanos, levaste os fardos da Terra e, rorejando sangue, suspenso numa cruz, Te fizeste cadáver?
“Sim, és Tu, ─ Tu, glória de todos os seres! Ser diante do qual se inclinam todas as naturezas, que desaparecem diante de Ti, para serem chamadas a viver em Ti!
“Num dos teus raios encontra-se a vida de todos os mundos e de teu hálito não jorra senão o amor!”
Isto, caro amigo, não é senão uma migalha mínima, caída na Terra, da mesa cheia de uma felicidade inefável de que eu me nutria. Aproveita-a, e em breve serte-á dado mais. ─ Ama, e serás amado. ─ Só o amor pode aspirar à felicidade suprema. ─ Só o amor pode dar a felicidade, mas unicamente àqueles que amam.
Oh! meu querido, é porque amas que posso aproximar-me de ti, comunicar-me contigo e te conduzir mais depressa à fonte da vida.
Amor! Deus e o Céu vivem em ti, tanto quanto vivem na face e no coração de Jesus Cristo!
Escrevo isto, segundo a vossa cronologia terrestre, a 13 de novembro de 1798.
MAKARIOSENAGAPE.
(Termina no próximo número)