Neste inverno levaram à cena, com grande sucesso, no teatro das Fantasias Parisienses, uma encantadora opereta intitulada
O Elixir de Cornélio, na qual a reencarnação é o próprio núcleo da intriga.
Eis a descrição que dela nos deu
o Siècle, em seu número de 11 de fevereiro de 1868:
“Cornélio é um alquimista que se ocupa especialmente da transmigração das almas. Tudo quanto lhe contam a propósito ele escuta com ouvidos ávidos, como se a coisa tivesse acontecido. Ora, ele tem uma filha que não esperou sua licença para arranjar um pretendente. Não; mas ele recusa o consentimento. Então, como fazer para triunfar sobre a sua resistência? Uma ideia: o apaixonado lhe narra que sua filha, antes de ser sua filha, há muito tempo, era um jogador, dado a aventuras e frequentador de ruelas. Nessa mesma época, ele, o apaixonado, era uma jovem encantadora que foi enganada pelo aventureiro. Os papéis se inverteram e ele lhe pede para devolver a sua antiga honra. ‘Ah! Vós me dizeis tanto!’, responde o velho doutor convencido. E eis como um casamento a mais se realiza ante o público que tantas vezes se encarrega de substituir o senhor prefeito.
“A música é alegre como o assunto que a inspirou. Notou-se mais particularmente a serenata, as quadras de Cornélio, o duo burlesco e o final, escritos simples e facilmente.”
Como se vê, o fundo do enredo repousa, aqui, não só no princípio da reencarnação, mas também na mudança de sexo.
Os assuntos dramáticos se esgotam e muitas vezes os autores ficam embaraçados para sair dos caminhos repisados; a ideia da reencarnação lhes vai fornecer, em profusão, situações novas para todos os gêneros; aberto o caminho, é provável que todos os teatros em breve tenham sua peça para a reencarnação.
O Teatro Francês apresentou, no fim de maio, uma peça na qual a alma representa o papel principal. É
O Galo de Mycille, pelos Srs. Trianon e Eugène Nyon, da qual eis o tema principal.
Mycille é um jovem sapateiro remendão de Atenas; em frente à sua tenda mora um jovem magistrado, o arconte Eucrates, numa deliciosa casa de mármore. O pobre sapateiro inveja de Eucrates as suas riquezas: sua mulher, a bela Cloé, sua cozinha, seus numerosos escravos. O opulento arconte, envelhecido precocemente, gotoso, inveja em Mycille sua boa aparência, sua saúde, o amor desinteressado que lhe dedica uma linda escrava, Dóris. Mycille tem um galo que a jovem Dóris lhe deu e que, com o seu canto matinal, desperta o arconte. Este ordena aos escravos que batam no sapateiro, caso não faça o seu galo calar-se. Por sua vez, o sapateiro quer bater no galo, mas nesse instante o animal se metamorfoseia em homem: é o filósofo Pitágoras, cuja alma veio animar o corpo do galo, segundo a sua doutrina da transmigração. Momentaneamente ele tomou a sua forma humana, para esclarecer Mycille sobre a tolice da inveja que ele tem da posição de Eucrates. Não podendo persuadi-lo, lhe diz: “Quero dar-te o meio de te esclareceres por tua própria experiência. Apanha esta pena que fizeste cair de meu próprio corpo de galo; introdu-la na fechadura da porta de Eucrates; logo a porta abrir-se-á; tua alma passará para o corpo do arconte e, reciprocamente, a alma do arconte passará para o teu corpo. Entretanto, antes de fazer qualquer coisa, aconselho-te a refletir bem. Então Pitágoras desapareceu. Mycille reflete, mas a sede do ouro o empolga e, solicitado por diversos incidentes, decide-se e a metamorfose se opera. Eis, pois, o sapateiro transformado no rico arconte, mas doente e gotoso, e o arconte feito sapateiro. Essa transformação ocasiona uma porção de complicações cômicas, em consequência das quais cada um, descontente com a sua nova posição, retoma a que tinha antes.
Como se vê, a peça é uma nova edição da história
do sapateiro e do financista, já explorada sob tantas formas. O que a caracteriza é que, em vez de ser o sapateiro em pessoa, corpo e alma, que toma o lugar do financista, são as duas almas que mudam de corpo. A ideia é nova, original, e os autores a exploraram muito espirituosamente. Mas não é absolutamente tomada a ideia espírita, como se havia dito; ela é tirada de um diálogo de
Luciano: O sonho e o galo. Não falamos deste senão para destacar o erro dos que confundem o princípio da reencarnação com a transmigração das almas, ou metempsicose.
A peça de Cornélio, ao contrário, é inteiramente compatível com a ideia espírita, embora a pretensa reencarnação do jovem e da moça não passem de uma invenção de sua parte, para chegar aos seus fins, ao passo que esta dela se afasta completamente. Para começar, o Espiritismo jamais admitiu a ideia da alma humana retrogradando na animalidade, pois seria a negação da lei do progresso. Em segundo lugar, a alma só deixa o corpo com a morte, e quando, depois de algum tempo passado na erraticidade, ela recomeça uma nova existência, é passando pelas fases ordinárias da vida: o nascimento, a infância etc., e não por efeito de uma metamorfose ou substituição instantânea, que só se vê nos contos de fadas, que não são o evangelho do Espiritismo, digam o que disserem os críticos, que disso não entendem muito.
Contudo, se bem que os dados sejam falsos na sua aplicação, eles não deixam de ser baseados no princípio da individualidade e da independência da alma; é a alma distinta do corpo e a possibilidade de reviver num outro envoltório posto em ação, ideia com a qual sempre é útil familiarizar a opinião geral. A impressão que daí fica não é perdida para o futuro, e é mais salutar que a das peças onde se põe em cena a impudência das paixões.