O ano de 1867 tinha sido anunciado como devendo ser particularmente proveitoso para o Espiritismo, e essa
previsão realizou-se plenamente. Ele viu aparecerem várias obras que, sem lhe trazer o nome, popularizam os
seus princípios, e entre as quais lembraremos
Mirette, do Sr. Sauvage;
Le Roman de l’Avenir, do Sr. Bonnemère;
Dieu dans la Nature, pelo Sr. Camille Flammarion.
La Raison du Spiritisme, pelo Sr. juiz de instrução Bonnamy, é um acontecimento nos anais da doutrina, porque a bandeira é alta e corajosamente arvorada por um homem cujo nome, justamente estimado e considerado, é uma autoridade, ao mesmo tempo que sua obra é um protesto contra epítetos com que a crítica gratifica geralmente os adeptos da ideia. Todos os espíritas apreciaram esse livro como ele merece, e lhe compreenderam o alcance. É uma resposta peremptória a certos ataques. Assim, pensamos que considerarão como um dever propagá-lo no interesse da doutrina.
Se o ano só tivesse tido esses resultados, seria para nos felicitarmos. Mas ele os produziu mais efetivos. O número das sociedades ou grupos oficialmente conhecidos não aumentou sensivelmente, é verdade; antes até diminuiu, por força das intrigas, com cujo auxílio procuraram miná-los, neles introduzindo elementos de dissolução. Mas, em compensação, o número de reuniões particulares, ou de família, cresceu numa grande proporção.
Além disso, é para todos notório e da própria confissão dos nossos adversários, que as ideias espíritas ganharam terreno consideravelmente, como o constata o autor da obra a que nos referimos adiante. Elas se infiltram por uma porção de brechas; tudo concorre para isto; as coisas que, à primeira vista, a elas pareciam mais estranhas, são meios com a ajuda dos quais essas ideias vêm à luz. É que o Espiritismo toca em tão grande número de questões, que é muito difícil abordar seja o que for sem ver aí surgir um pensamento espírita, de tal sorte que, mesmo nos meios refratários, essas ideias brotam sob uma ou outra forma, como essas plantas de cores variadas que crescem por entre as pedras. E como nesses meios geralmente repelem o Espiritismo, por espírito de prevenção, sem saber o que ele diz, não é surpreendente que, quando pensamentos espíritas aí aparecem, não os reconheçam, mas então os aclamam, porque os acham bons, sem suspeitar que se trata de Espiritismo.
A literatura contemporânea, grande ou pequena, séria ou leviana, semeia essas ideias em profusão; é por elas esmaltada e não lhe falta senão o nome. Se reuníssemos todos os pensamentos espíritas que correm o mundo, constituiríamos o Espiritismo completo. Ora, aí está um fato considerável e um dos mais característicos do ano que findou. Isto prova que cada um tem em si alguns de seus elementos no estado de intuição, e que entre os seus antagonistas e ele não há, o mais das vezes, senão uma questão de palavra. Aqueles que o repelem com perfeito conhecimento de causa são os que têm interesse em combatê-lo.
Mas, então, como chegar a fazê-lo conhecido, para triunfar dessas prevenções? Isto é obra do tempo. É preciso que as circunstâncias para aí levem naturalmente, e para isto pode-se contar com os Espíritos, que sabem fazê-las nascer em tempo oportuno. Essas circunstâncias são particulares ou gerais. As primeiras agem sobre os indivíduos e as outras sobre as massas. As últimas, por sua repercussão, fazem o efeito das minas que, a cada explosão, arrancam alguns fragmentos do rochedo.
Que cada espírita trabalhe de seu lado sem desanimar com a pouca importância do resultado obtido individualmente, e pense que à força de acumular grãos de areia se forma uma montanha.
Entre os fatos materiais que assinalaram este ano, as curas do zuavo Jacob ocupam o primeiro lugar. Elas tiveram uma repercussão que todo mundo conhece. E, embora o Espiritismo aí só tenha figurado incidentemente, a atenção geral não deixou de ser vivamente atraída para um fenômeno dos mais sérios, e que a ele se liga de maneira direta. Esses fatos, produzindo-se em condições vulgares, sem aparelho místico, não por um só indivíduo, mas por diversos, ou por isso mesmo, perderam o caráter miraculoso, que até agora lhes haviam atribuído. Como tantos outros, entraram no domínio dos fenômenos naturais. Entre os que os rejeitavam como milagres, muitos se tornaram menos absolutos na negação do fato e admitiram a sua possibilidade como resultado de uma lei desconhecida da Natureza. Era um primeiro passo numa via fecunda em consequências, e mais de um cético ficou abalado. Certamente nem todos ficaram convencidos, mas a coisa deu muito que falar. Daí resultou em muita gente uma impressão profunda, que provocou muito mais reflexão do que se pensa. São sementes que, se não dão uma colheita abundante imediata, não estão perdidas para o futuro.
O Sr. Jacob mantém-se afastado de maneira absoluta. Ignoramos os motivos de sua abstenção e se deve ou não retomar o curso de suas sessões. Se há intermitência em sua faculdade, como acontece muitas vezes em casos semelhantes, é uma prova de que ela não se deve exclusivamente à sua pessoa, e que fora do indivíduo há alguma coisa, uma vontade independente.
Mas, perguntarão, por que essa suspensão, se a produção desses fenômenos era uma vantagem para a doutrina? Tendo as coisas, até aqui, sido conduzidas com uma sabedoria que jamais se desmentiu, devemos supor que os que dirigem o movimento julgaram o efeito suficiente para o momento, e que seria útil pôr um tempo de espera na efervescência. Mas a ideia foi lançada e podemos ficar certos de que não ficará no estado de letra morta.
Em suma, como vemos, o ano foi bom para o Espiritismo. Suas falanges recrutaram homens sérios, cuja opinião é tida por alguma coisa num certo mundo. Nossa correspondência assinala quase por toda parte um movimento geral da opinião por essas ideias e, coisa bizarra neste século positivo, as que ganham mais terreno são as ideias filosóficas, muito mais que os fatos materiais de manifestação que muitas pessoas ainda se obstinam em rejeitar, de sorte que, perante o maior número, o melhor meio de fazer proselitismo é começar pela filosofia, e isso é compreensível. Sendo as ideias fundamentais latentes na maioria, basta despertá-las. Compreendem-nas porque possuem em si os seus germes, ao passo que os fatos, para serem aceitos e compreendidos, demandam estudo e observações que muitos não querem se dar ao trabalho de fazer.
Depois, o charlatanismo, que se apoderou dos fatos para explorá-los em seu proveito, desacreditou-os na opinião de certas pessoas, dando margem à crítica. Assim não se podia dar com a filosofia, que não era tão fácil de contrafazer, e que, além disto, não é matéria explorável.
Por sua natureza, o charlatanismo é turbulento e intrigante, sem o que não seria charlatanismo. A crítica, que geralmente pouco se preocupa em ir ao fundo do poço buscar a verdade, viu o charlatanismo alardear-se, e se esforçou para conferir-lhe a etiqueta de
Espiritismo. Daí, contra esta palavra, uma prevenção que se apaga à medida que o Espiritismo verdadeiro é melhor conhecido, porque não há ninguém, que tendo estudado seriamente, o confunda com o Espiritismo grotesco de fantasia, que a despreocupação ou a malevolência procuram substituir. É uma reação neste sentido que se manifestou nestes últimos tempos.
Os princípios que se propagam com mais facilidade são o da
pluralidade dos mundos habitados e o da
pluralidade das existências ou
reencarnação. O primeiro pode ser considerado como admitido sem contestação pela Ciência e pelo assentimento unânime, mesmo no campo materialista. O segundo está no estado de intuição numa porção de indivíduos, nos quais é uma crença inata; ele encontra numerosas simpatias, como princípio racional de filosofia, mesmo fora do Espiritismo. É uma ideia que sorri a muitos incrédulos, porque nele encontram
imediatamente a solução das dificuldades que os haviam levado à dúvida. Assim, essa crença tende a vulgarizar-se mais e mais. Mas, para quem quer que reflita, esses dois princípios têm consequências forçadas que desembocam em linha reta no Espiritismo. Podemos, portanto, considerar o progresso dessas ideias como o primeiro passo para a Doutrina, porquanto dela são partes integrantes.
A imprensa que, malgrado seu, sofre a influência da difusão das ideias espíritas, porque estas penetram até no seu seio, em geral se abstém, senão por simpatia, ao menos por prudência; já se percebe que não é de bom gosto falar dos Davenport. Diríamos até que ela afeta evitar a questão do Espiritismo. Se, de vez em quando, ela atira algumas flechas contra os seus aderentes, são como os últimos lampejos de um fogo de artifício. Mas não há mais esse fogo contínuo de invectivas que se ouvia há apenas dois anos. Embora ela tenha feito quase tanto alvoroço quanto o Sr. Jacob, quanto os Davenport, sua linguagem foi muito diferente, e é de notar que, na sua polêmica, o nome do Espiritismo só figurou muito acessoriamente.
No exame da situação, não só há que considerar os grandes movimentos ostensivos, mas há que levar em conta principalmente o estado íntimo da opinião e das causas que podem influenciá-la. Assim como dissemos alhures, se observarmos atentamente o que se passa pelo mundo, reconheceremos que uma porção de fatos, em aparência estranhos ao Espiritismo, parecem vir de propósito para lhe abrir o caminho. É no conjunto das circunstâncias que se deve procurar os verdadeiros sinais do progresso. Deste ponto de vista, então, a situação é tão satisfatória quanto se pode desejar. É o caso de concluir que a oposição está desarmada, e que de agora em diante as coisas vão avançar sem embaraços? Guardemo-nos de acreditar nisso e de dormir numa enganadora segurança. O futuro do Espiritismo, sem contradita, está assegurado, e seria preciso ser cego para duvidar disto, mas os seus piores dias não passaram. Ele ainda não recebeu o batismo que consagra todas as grandes ideias. Os Espíritos são unânimes em nos prevenir contra uma luta inevitável mas necessária a fim de provar a sua invulnerabilidade e a sua força; ele sairá dela maior e mais forte; somente então conquistará seu lugar no mundo, porque os que quiseram derrubá-lo terão preparado o seu triunfo. Que os espíritas sinceros e devotados se fortaleçam pela união e se confundam numa santa comunhão de pensamentos. Lembremo-nos da parábola das dez virgens e velemos para não sermos apanhados desprevenidos.
Aproveitamos esta circunstância para exprimir toda a nossa gratidão àqueles dos nossos irmãos espíritas que, como nos anos anteriores, por ocasião da renovação das assinaturas da
Revista, nos dão novos testemunhos de sua afetuosa simpatia. Ficamos feliz com os penhores que nos fazem de seu devotamento à causa sagrada que todos defendemos, e que é a da Humanidade e do progresso. Àqueles que nos dizem: coragem! diremos que jamais recuaremos diante de nenhuma das necessidades de nossa posição, por mais duras que sejam. Que contem conosco, como nós contamos, no dia da vitória, neles encontrar os soldados da véspera, e não os soldados do amanhã.