Um de nossos irmãos em Espiritismo, membro da Sociedade de Paris, o Sr. Costeau, acaba de morrer. Ele foi inumado a 12 de setembro último, no cemitério de Montmartre. Era um homem de coração, que o Espiritismo havia reconduzido a Deus; sua fé no futuro era completa, sincera e profunda; era um simples calceteiro, que praticava a caridade por pensamento, por palavras e por atos, conforme seus parcos recursos, pois sempre achava meios de assistir aos que tinham menos que ele.
Seria erro pensar que a Sociedade de Paris é uma reunião exclusivamente aristocrática, porque ela conta com mais de um proletário em seu seio; ela acolhe todos os devotamentos à causa que sustenta, quer venham das altas, quer das baixas camadas sociais; o grão-senhor e o artífice aí se dão as mãos fraternalmente. Há algum tempo, no casamento de um dos nossos colegas, modesto trabalhador também, estiveram presentes um alto dignitário estrangeiro e a princesa sua esposa, ambos membros da Sociedade, que não se haviam sentido diminuídos, vindo sentarse lado a lado com outros assistentes, posto o luxo da cerimônia, celebrada em obscura capela de opulenta paróquia, tivesse sido reduzido à expressão mais simples. É que o Espiritismo, sem sonhar com uma igualdade quimérica, sem confundir as classes, sem pretender fazer passar todos os homens para um mesmo nível social impossível, os faz apreciar de um ponto de vista diverso do prisma fascinante do mundo. Ele ensina que o pequeno pode ter sido grande na Terra; que o grande pode tornar-se pequeno e que no reino celeste as classes terrenas não são levadas em conta. É assim que, destruindo logicamente os preconceitos sociais de casta e de cor, conduz à verdadeira fraternidade.
Nosso irmão Costeau era pobre e deixa uma viúva necessitada. Assim, foi levado à vala comum, porta que conduz ao Céu, tanto quanto suntuoso mausoléu.
O Sr. d’Ambel, vice-presidente, e o Sr. Canu, secretário da Sociedade, conduziram o enterro. Um e outro pronunciaram sobre a sepultura palavras que causaram viva impressão no auditório e nos coveiros, visivelmente comovidos, posto que insensíveis a tais cerimônias.
Eis a alocução do Sr. Canu:
“Caro irmão Costeau! Há apenas alguns anos, muitos dentre nós, e eu confesso que era o primeiro, não teríamos visto ante este túmulo aberto senão o fim das misérias humanas, e depois o nada, isto é, nada de alma para merecer ou expiar e, consequentemente, nada de Deus para recompensar, castigar ou perdoar. Hoje, graças à nossa divina doutrina, aqui vemos o fim das provas, e para vós, caro irmão, cujos despojos mortais devolvemos à terra, o triunfo em nossos labores e o começo das recompensas que vos mereceu vossa coragem, vossa resignação, vossa caridade, numa palavra as vossas virtudes e, acima de tudo, a glorificação de um Deus sábio, todo-poderoso, justo e bom.
“Levai pois, caro irmão, nossas ações de graças aos pés do Eterno, que quis dissipar em redor de nós as trevas do erro e da incredulidade, porque, ainda há pouco tempo, nesta circunstância, nós vos teríamos dito, com a fronte morna e o coração desencorajado: “Adeus, amigo, para sempre.” Hoje vos dizemos, com a fronte erguida e radiando esperança, e com o coração cheio de coragem e de amor: “Caro irmão, até à vista, e orai por nós.”
Alocução do Sr. d’Ambel:
“Senhoras, senhores e vós, caros colegas da Sociedade de Paris. É a segunda vez que conduzimos um colega à sua última morada. Aquele a quem vimos dizer adeus foi um desses obscuros lutadores que as dificuldades da vida sempre encontraram inamolgável; contudo, a certeza absoluta por muito tempo lhe havia faltado. Assim, desde que o Espiritismo se lhe tornou conhecido, apressou-se em abraçar uma doutrina que lhe trazia a verdade, e cujos ensinamentos são tão próprios a consolar em suas provas os aflitos deste mundo.
“Modesto trabalhador, ele sempre cumpriu sua tarefa com a serenidade do justo, e a adversidade que feriu tão cruelmente, para nosso pesar, os últimos dias de sua vida, lhe abriu, ─ ficai certos, todos que me ouvis ─ uma próxima carreira de prosperidade e ventura.
“Ah! Quanto lamento que nosso mestre venerado não esteja em Paris! Sua voz autorizada teria sido bem mais agradável que a minha ao irmão que perdemos e lhe teria prestado uma homenagem mais considerável que a que lhe pode prestar minha obscuridade.
“Eu teria desejado dar aos funerais de nosso colega uma solenidade maior, mas fui prevenido muito tarde para comunicar a todos os membros da Sociedade presentes em Paris. Mas, por poucos que sejamos aqui, representamos a grande família espírita, que uma fé comum no futuro une, de um extremo ao outro do mundo. Nós somos os delegados de muitos milhões de adeptos, em cujo nome vimos pedir, caro e lamentado colega, que contribuais, de agora em diante, nos limites de vossas novas faculdades, para a propaganda de nossa grande doutrina que, em meio a vossas últimas e cruéis provas, vos sustentou tão energicamente.
“Ah! Como disse tão eloquentemente nosso caro presidente Allan Kardec, no enterro de nosso irmão Sanson, é que a fé espírita dá, nestes momentos supremos, uma força da qual só se pode dar conta aquele que a possui, e essa fé, o Sr. Costeau a possuía no mais alto grau.
“Caro senhor Costeau, sabeis do vivo interesse que a Sociedade Espírita de Paris tinha por vós. Ela sempre vos lembrará como um de seus membros mais assíduos, e é em seu nome, em nome de seu presidente, em nome de vossa esposa e de vossa irmã desoladas que vos venho dizer, como o nosso amigo Sr. Canu, não um adeus, mas até à vista, num mundo mais feliz. Que possais gozar nesse onde agora vos achais a felicidade que mereceis, e vir nos estender a mão, quando chegar a nossa vez de nele entrar.
“Caros Espíritos dos Srs. Jobard e Sanson, eu vos peço que acolhais o nosso colega Sr. Costeau e lhe faciliteis o acesso às vossas serenas regiões.
“Caros Espíritos, orai por ele. Orai por nós. Que assim seja.”
Após esta alocução, o Sr. d’Ambel pronunciou textualmente a prece pelos que acabam de morrer, que foi dita sobre o túmulo do Sr. Sanson. (Revista Espírita de maio de 1862).
O Sr. Vézy, um dos médiuns da Sociedade, nome conhecido dos nossos leitores pelas belas comunicações de Santo Agostinho, desceu à fossa, e o Sr. d’Ambel fez em voz alta a evocação do Sr. Costeau, que deu, pelo Sr. Vézy, a comunicação seguinte, cuja leitura todos os assistentes, inclusive os coveiros, ouviram com a cabeça descoberta e com profunda emoção. Com efeito, ouvir as palavras de um morto, colhidas dentro da própria tumba, era um espetáculo novo e empolgante.
“Obrigado, amigos, obrigado. Minha sepultura ainda não está fechada, e contudo, mais um segundo e a terra vai cobrir meus restos. Mas, vós o sabeis, sob esta poeira minha alma não será enterrada. Ela vai planar no espaço, para subir a Deus.
“Assim, como é consolador poder ainda dizer, malgrado o envoltório aniquilado: Oh não! Não estou morto! Vivo a verdadeira vida, a vida eterna!
“O enterro do pobre não é seguido por um grande número. As orgulhosas manifestações não se dão sobre o seu túmulo, e contudo, amigos, crede-me, aqui não falta a multidão imensa, e bons Espíritos seguiram convosco e com estas mulheres piedosas o corpo que aqui está deitado! Todos vós, pelo menos, acreditais, e amais o bom Deus!
“Oh! Certamente não! Nós não morremos porque o nosso corpo se parte, esposa bem amada! De agora em diante estarei sempre junto a ti, para te consolar e te ajudar a suportar a prova. Ela te será rude, a vida, mas, com a ideia da eternidade e do amor a Deus enchendo teu coração, como te serão leves os sofrimentos!
“Parentes que rodeais minha amada companheira, amai-a, respeitai-a; sede para ela irmãos e irmãs. Não esqueçais que na Terra vós vos deveis assistência, se quiserdes entrar no repouso do Senhor.
“E vós, espíritas! irmãos, amigos, obrigado por terdes vindo dizer-me adeus até esta morada de pó e de lama. Mas vós sabeis, sabeis muito bem que minha alma vive imortal, e que ela irá algumas vezes vos pedir preces, que não me serão recusadas, para me ajudar nesta via magnífica que em vida me abristes.
“Adeus a todos que aqui estais. Poderemos rever-nos noutro lugar que não sobre esta sepultura.
“As almas me chamam ao seu encontro.
“Adeus! Orai por aqueles que sofrem. Até à vista.
“COSTEAU”
Terminadas as últimas formalidades fúnebres, esses senhores foram fazer uma visita espírita, no mesmo cemitério, ao túmulo de Georges, esse eminente Espírito que deu, por intermédio da Sra. Costel, as belas comunicações que nossos leitores por vezes têm admirado.
O Sr. Georges era, em vida, cunhado do Sr. d’Ambel. Lá, por intermédio do Sr. Vézy, recolheram as seguintes palavras:
“Embora não vivamos aqui (no local da inumação), gostamos de vir aqui para vos agradecer pelas preces que vindes fazer por nós, e pelas flores que espalhais sobre os nossos túmulos.
“Como fizeram bem criando estes lugares de repouso e de prece! As almas podem conversar mais à vontade e, nesses impulsos íntimos, melhor permutam os sentimentos que as animam: uma junto a um túmulo, outra, planando acima! “Acabais de dizer adeus a um dos vossos amigos; agradeço por me não terdes esquecido. Eu estava convosco naquela multidão de Espíritos que se comprimiam junto ao túmulo que acaba de abrir-se e me sentia feliz ao ler em vossos corações a convicção e a fé. Misturei às vossas as minhas preces, e os Espíritos bemaventurados as levaram a Deus!
“Meus bons amigos, a fé espírita dará a volta ao redor do mundo e acabará transformando os loucos em sábios. Ela penetrará até no coração desses padres que vistes há pouco sorrindo, e que vos causaram uma dor verdadeira... (alusão à maneira pela qual se realizou a cerimônia religiosa). Seu escândalo fez sangrar os vossos corações, mas superastes a indignação, pensando no bem que íeis derramar na alma do vosso amigo. Ela está aqui, perto de mim, e pede que eu vos agradeça em seu nome.
“Já vos disseram que a tumba é a vida. Vinde algumas vezes à sombra do salgueiro, ao pé da cruz mortuária, e em meio ao silêncio, à calma, ouvireis uma harmonia divina; em meio à brisa ouvireis os concertos de nossas almas, cantando Deus... a eternidade... Depois, alguns de nós destacar-se-ão dos coros sagrados para virem instruir-vos sobre os vossos destinos. Aquilo que, até hoje, ficou em mistério para vós, desvendar-se-á pouco a pouco aos vossos olhos e podereis compreender o vosso começo e as vossas grandezas futuras.
“Então marcai encontros aqui, vós que quereis instruir-vos. Aqui lereis as páginas da eternidade, e o livro da vida estará sempre aberto para vós. Neste lugar de calma e de paz, a voz do Espírito parece fazer ouvir-se melhor para aquele que ela quer instruir; ela toma proporções mágicas e sonoras e seus acentos penetram mais aquele sobre o qual ela quer agir.
“Trabalhai com zelo e fervor na propaganda da ideia nova. Eu vos ajudarei sem cessar, e se a tranquilidade do túmulo amedrontar a uns, que saibam que os bons Espíritos sentem-se felizes instruindo por toda parte.
“Adeus e obrigado! Como eu gostaria de poder transmitir ao mundo inteiro a fé de que estais cheios! Mas, em verdade vos digo, o Espiritismo é a alavanca com a qual Arquimedes levantará o mundo!
“Algumas palavras a vós, meu irmão, particularmente, já que se apresenta a ocasião. Dizei a minha irmã que ame sempre os deveres impostos por Deus, por mais pesados que sejam. Dizei-lhe que ame a nossa mãe e me substitua junto a ela.
Dizei-lhe que vele por minha filha, que sorria para o céu e que encontre
perfume em todas as flores da Terra...
“À vós, meu irmão, aperto as duas mãos.
“GEORGES”
Do que se vê acima ressalta um duplo ensinamento. Poderia causar admiração que um Espírito tão vizinho da época da morte tenha podido exprimir-se com tanta lucidez, mas deve-se lembrar que o Sr. Sanson foi evocado na câmara mortuária, antes de ser levado o corpo, e que ele deu, nesse momento, a bela comunicação que todos puderam ler na Revista. Sua perturbação tinha durado apenas algumas horas, e sabe-se, aliás, que o desprendimento é rápido nos Espíritos moralmente adiantados.
Por outro lado, por que o Sr. Vézy desceu à cova? Havia utilidade ou era simples encenação? Afastemos logo o segundo motivo, pois os espíritas sérios agem seriamente e religiosamente e não fazem encenações. Em tal momento teria sido uma profanação. Certamente a utilidade não era absoluta. Deve haver um testemunho mais especial de simpatia, em razão mesmo de que o morto estava na vala comum. Aliás, sabe-se que o acesso a essas valas é mais fácil do que ao das covas particulares, cuja entrada é estreita, e o Sr. Vézy aí se achava mais comodamente para escrever.
Isto, entretanto, poderia ter sua razão de ser, de um outro ponto de vista que provavelmente não veio à mente do Sr. Vézy. Sabe-se que a evocação facilita o desprendimento do Espírito e pode abreviar a duração da perturbação. Também se sabe que os laços que unem o Espírito ao corpo nem sempre são partidos inteiramente logo após a morte. Eis um notável exemplo:
Um jovem tinha morrido acidentalmente de maneira horrível. Sua vida tinha sido a de muitos jovens ricos, desocupados, isto é, muito vinculada à matéria. Ele comunicou-se espontaneamente com um médium de nosso conhecimento, que o tinha conhecido em vida, pedindo que o evocassem e orassem em seu sepulcro, para ajudar a romper os laços que o prendiam ao corpo, do qual ele não conseguia desembaraçar-se. Evidentemente deve haver no caso uma ação magnética facilitada pela proximidade do corpo, e aí talvez esteja uma das causas que, instintivamente, levam os amigos do defunto a irem orar no lugar onde se encontra o corpo.