Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Mediunidade mental


Um dos nossos correspondentes escreve de Milianah, Argélia:

“... A propósito do desprendimento do Espírito, que se opera em todos durante o sono, meu guia espiritual exercita-me em vigília. Enquanto o corpo está entorpecido, o Espírito se transporta para longe, visita as pessoas e os lugares de que gosta e a seguir volta sem esforço. O que me parece mais surpreendente é que, enquanto estou como que em catalepsia, tenho consciência desse desprendimento. Exercito-me também no recolhimento, o que me proporciona a agradável visita de Espíritos simpáticos, encarnados e desencarnados. Este último estudo só ocorre durante a noite, pelas duas ou três horas, e quando o corpo, repousado, desperta. Fico alguns instantes à espera, como depois de uma evocação. Então sinto a presença do Espírito por uma impressão física, e logo surge em meu pensamento uma imagem que me faz reconhecê-lo. Estabelece-se a conversa mental, como na comunicação intuitiva, e esse gênero de conversa tem algo de adoravelmente íntimo. Muitas vezes meu irmão e minha irmã, encarnados, me visitam, às vezes acompanhados por meu pai e minha mãe, do mundo dos Espíritos.

“Há bem poucos dias recebi vossa visita, caro mestre, e pela suavidade do fluido que me penetrava, eu julgava que fosse um dos nossos bons protetores celestes; imaginai a minha alegria ao reconhecer, em meu pensamento, ou melhor, no meu cérebro, como que o próprio timbre de vossa voz. Lamennais nos deu uma comunicação a esse respeito e deve encorajar os meus esforços. Eu não poderia dizer-vos do encanto que dá esse gênero de mediunidade. Se tiverdes junto de vós alguns médiuns intuitivos, habituados ao recolhimento e à tensão de espírito, eles podem tentar também. Evoca-se e, em vez de escrever, conversa-se, exprimindo bem as ideias, sem prolixidade.

“Meu guia muitas vezes me fez a observação de que eu tinha um Espírito sofredor, um amigo que vem instruir-se ou buscar consolações. Sim, o Espiritismo é um benefício precioso: abre um vasto campo à caridade, e aquele que está inspirado por bons sentimentos, se não puder vir em socorro de seu irmão materialmente, sempre o pode espiritualmente.”

Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental, certamente não é adequada para convencer os incrédulos, porque nada tem de ostensivo, nem desses efeitos que ferem os sentidos. É toda para a satisfação íntima de quem a possui. Mas também é preciso reconhecer que se presta muito à ilusão e que é o caso de desconfiar das aparências. Quanto à existência da faculdade, não se poderia duvidar. Pensamos mesmo que deve ser a mais frequente, porque é considerável o número das pessoas que, no estado de vigília, sofrem a influência dos Espíritos e recebem a inspiração de um pensamento que sentem não ser seu. A impressão agradável ou penosa que por vezes se sente à vista de alguém que se encontra pela primeira vez; o pressentimento da aproximação de uma pessoa; a penetração e a transmissão do pensamento, são outros tantos efeitos devidos à mesma causa e que constituem uma espécie de mediunidade, que se pode dizer universal, pois todos possuem pelo os seus rudimentos. Mas, para experimentar seus efeitos marcantes é necessária uma aptidão especial, ou melhor, um grau de sensibilidade mais ou menos desenvolvido, conforme os indivíduos. Sob esse ponto de vista, como temos dito há muito tempo, todos são médiuns, e Deus não deserdou ninguém da preciosa vantagem de receber os salutares eflúvios do mundo espiritual, que se traduzem de mil e uma maneiras diferentes. Mas as variedades que existem no organismo humano não permitem a todos receber efeitos idênticos e ostensivos.

Tendo sido discutida esta questão na Sociedade de Paris, as instruções seguintes foram dadas a respeito, por diversos Espíritos.


I

É possível desenvolver o sentido espiritual, como diariamente se vê desenvolver-se uma aptidão por um trabalho constante. Ora, sabei que a comunicação do mundo incorpóreo com os vossos sentidos é constante: ela se dá a toda hora, a cada minuto, pela lei das relações espirituais. Que os encarnados ousem aqui negar uma lei da própria Natureza!

Acabam de dizer-vos que os Espíritos se veem e se visitam uns aos outros durante o sono: tendes muitas provas. Por que quereríeis que isto não ocorresse em vigília? Os Espíritos não têm noite. Não. Eles estão constantemente ao vosso lado; eles vos vigiam; vossos familiares vos inspiram, vos suscitam pensamentos, vos guiam; eles vos falam e vos exortam; eles protegem os vossos trabalhos, ajudam-vos a elaborar os vossos desígnios formados pela metade e os vossos sonhos ainda vacilantes; anotam vossas boas resoluções; lutam quando lutais. Eles estão aí, esses bons amigos, no fim de vossa encarnação; eles vos riem no berço, vos esclarecem nos estudos; depois se envolvem em todos os atos de vossa passagem aqui na Terra; oram quando vos veem preparando-se para irdes encontrá-los.

Oh! não, jamais negueis vossa assistência diária; jamais negueis vossa mediunidade espiritual, porque blasfemais contra Deus, e seríeis taxados de ingratidão pelos Espíritos que vos amam.

H. DOZON
(Médium: Sr. Delanne.)


II


Sim, esse gênero de comunicação espiritual é mesmo uma mediunidade, como, aliás, tendes ainda outros a constatar no curso de vossos estudos espíritas. É uma espécie de estado cataléptico muito agradável para quem o experimenta. Ele proporciona todas as alegrias da vida espiritual à alma prisioneira, que aí encontra um encanto indefinível, que gostaria de experimentar sempre. Mas é preciso voltar de qualquer modo, e, semelhante ao prisioneiro ao qual permitem tomar ar num prado, a alma entra constrangida na célula humana.

É uma mediunidade muito agradável esta que permite a um Espírito encarnado ver os velhos amigos, poder conversar com eles, comunicar-lhes suas impressões terrenas e poder expandir o coração no seio de amigos discretos que não procuram achar ridículo o que lhes confiais, mas antes vos dar bons conselhos, se vos forem úteis. Esses conselhos, dados assim, têm mais peso para o médium que os recebe, porque o Espírito que lhos dá, a ele se mostrando, deixou uma impressão profunda em seu cérebro, e, por este meio, gravou melhor em seu coração a sinceridade e o valor desses conselhos.

Essa mediunidade existe no estado inconsciente em muitas pessoas. Sabei que há sempre perto de vós um amigo sincero, sempre pronto a sustentar e a encorajar aquele cuja direção lhe é confiada pelo Todo-Poderoso. Não, meus amigos, esse apoio não vos faltará jamais; cabe-vos saber distinguir as boas inspirações entre todas as que se chocam no labirinto de vossas consciências. Sabendo compreender o que vem do vosso guia, não vos podeis afastar do reto caminho que toda alma que aspira à perfeição deve seguir.

Espírito Protetor
(Médium: Sra. Causse).


III

Já vos foi dito que a mediunidade se revelaria por diferentes formas. A que vosso Presidente qualificou de mental está bem definida. É o primeiro degrau da mediunidade vidente e falante.

O médium falante entra em comunicação com os Espíritos que o assistem, fala com eles; seu Espírito os vê, ou melhor, os adivinha; apenas não faz senão transmitir o que lhe dizem, enquanto que o médium mental pode, se for bem formado, dirigir perguntas e receber respostas, sem a intermediação da pena ou do lápis, mais facilmente que o médium intuitivo, porque aqui o Espírito do médium, estando mais desprendido, é um intérprete mais fiel. Mas para isto é necessário um ardente desejo de ser útil, trabalhar com vistas ao bem, com um sentimento puro, isento de todo pensamento de amor-próprio e de interesse. De todas as faculdades mediúnicas é a mais sutil e a mais delicada. O menor sopro impuro basta para manchá-la. É apenas nessas condições que o médium mental obterá provas da realidade das comunicações. Logo vereis surgir entre vós médiuns falantes que vos surpreenderão por sua eloquência e por sua lógica.

Esperai, pioneiros que tendes pressa de ver vossos trabalhos crescerem; novos obreiros virão reforçar vossas fileiras, e este ano verá concluir-se a primeira grande fase do Espiritismo e começar outra não menos importante.

E vós, caro mestre, que Deus abençoe os vossos trabalhos; que ele vos sustente e nos conserve o favor especial que nos concedeu, permitindo-nos guiar-vos e sustentar-vos em vossa tarefa, que é também a nossa.

Como Presidente Espiritual da Sociedade de Paris, velo por ela e por cada membro em particular, e rogo ao Senhor que espalhe sobre vós todas as suas graças e as suas bênçãos.

S. LUÍS
(Médium: Sra. Dellane).


IV


Seguramente, meus amigos, a mediunidade, que consiste em conversar com os Espíritos, como com pessoas que vivem a vida material, desenvolver-se-á mais à medida que o desprendimento do Espírito se efetuar com mais facilidade, pelo hábito do recolhimento. Quanto mais avançados moralmente forem os Espíritos encarnados, maior será essa facilidade das comunicações. Assim como dizeis, ela não será de uma importância muito grande do ponto de vista da convicção a dar aos incrédulos, mas tem para aquele que lhe é objeto uma grande doçura, e o ajuda a desmaterializar-se cada vez mais. O recolhimento, a prece, este impulso da alma junto ao seu Autor, para lhe exprimir seu amor e seu reconhecimento, solicitando ainda o seu socorro, são os dois elementos da vida espiritual; são eles que derramam na alma esse orvalho celeste que ajuda o desenvolvimento das faculdades que aí estão em estado latente. Como são infelizes os que dizem que a prece é inútil porque não modifica os desígnios de Deus! Sem dúvida as leis que regem as diversas ordens de fenômenos não serão perturbadas ao bel-prazer deste ou daquele, mas a prece não tem por efeito senão melhorar o indivíduo que, por esse ato, eleva seu pensamento acima das preocupações materiais, motivo pelo qual ele não deve negligenciá-la.

É pela renovação parcial dos indivíduos que a Sociedade acabará por regenerar-se, e Deus sabe se ela precisa disso!

Ficais revoltados quando pensais nos vícios da sociedade pagã, ao tempo em que o Cristo veio trazer sua reforma humanitária; mas em vossos dias, os vícios, por serem velados sob formas mais marcantes de polidez e de educação, não deixam de existir. Eles não têm magníficos templos, como os da Grécia Antiga, mas ah! Eles os têm no coração da maior parte dos homens e causam entre eles as mesmas devastações que ocasionavam entre os que precederam a era cristã. Não é, pois, sem uma grande utilidade que os Espíritos vieram lembrar os ensinamentos dados há dezoito séculos, porquanto, tendo-os esquecido ou mal compreendido, vós não podeis aproveitá-los e espalhá-los segundo a vontade do divino crucificado.

Agradecei, pois, ao Senhor, vós todos que fostes chamados a cooperar na obra dos Espíritos, e que o vosso desinteresse e vossa caridade jamais enfraqueçam, porque é nisto que se conhecem entre vós os verdadeiros espíritas.


LUÍS DE FRANÇA
(Médium: Sra. Breul).

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