(Sociedade Espírita de Paris, 19 de junho de 1863 - Médium: Sr. Alfred)
Os séculos de transição na História da Humanidade assemelham-se a vastas planícies semeadas de monumentos misturados confusamente, sem harmonia, e a harmonia mais pura, mais justa, está no detalhe, e não no conjunto. Os séculos abandonados pela fé e pela esperança são páginas sombrias em que a Humanidade, trabalhada pela dúvida, se consome surdamente em civilizações refinadas, para chegar a uma reação que as mais das vezes as arrastava para substituí-las por outras civilizações.
Os pesquisadores do pensamento, mais que os cientistas, em nossa época e num ecletismo racional, aprofundam esses misteriosos encadeamentos da História, essas trevas, essa uniformidade, lançadas como nevoeiro e nuvens espessas sobre civilizações ainda há pouco férteis e vivazes. Estranho destino dos povos! É quase ao nascer do Cristianismo, é nas cidades mais opulentas, sedes dos maiores bispados do Oriente e do Ocidente, que começam as devastações da decadência. É em meio à própria civilização, ao esplendor inteligente das Artes, das Ciências, da Literatura e dos sublimes ensinamentos do Cristo, que começa a confusão de ideias e as dissensões religiosas. É no próprio berço da Igreja romana, orgulhosa e ensoberbecida com o sangue dos mártires, que a heresia gerada pelos dogmas supersticiosos e pelas hierarquias eclesiásticas desliza como serpe iminente, para morder o coração da Humanidade e lhe infiltrar nas veias, em meio às desordens políticas e sociais, o mais terrível e o mais profundo de todos os flagelos: a dúvida.
Desta vez a queda é imensa. A apatia religiosa dos padres, unida aos heresiarcas fanáticos, tira toda a força à política, todo amor ao país, e a Igreja do Cristo torna-se humana, mas não mais humanitária. É inútil aqui, creio eu, comparar os relatos apavorantes dessa época com a nossa. Vivendo simultaneamente com as tradições do Cristianismo e com a esperança do futuro, as mesmas comoções sacodem a nossa velha civilização; as mesmas ideias se dividem, e a mesma dúvida atormenta a Humanidade, sinais precursores da renovação social e moral que se prepara.
Ah! Orai, espíritas. Vossa época atormentada e blasfema é uma rude época, que os Espíritos vêm instruir e encorajar.
LAMENNAIS