Sob este título, um antigo oficial reformado, ex-representante do povo na Assembleia Constituinte de 1848, publicou em Argel uma brochura, na qual, procurando provar que a finalidade do Espiritismo é uma gigantesca especulação, faz cálculos dos quais resultam para nós rendimentos fabulosos, que deixam muito para trás os milhões com que nos gratificou muito generosamente certo padre de Lyon (Revista de junho de 1862). A fim de que os leitores apreciem esse interessante inventário, citamo-lo textualmente, com as conclusões do autor. Tal extrato dará uma ideia do que pode ser o resto da brochura, no ponto de vista da apreciação do Espiritismo.
“Sem nos determos na análise de todos os artigos concernentes em aparência às provas do neofitismo e da disciplina da Sociedade, chamaremos a atenção do leitor para os artigos 15 e 16. Tudo está lá.
“Aí ele verá que, sob o pretexto de prover recursos para as despesas da Sociedade, cada sócio titular paga: 1.º uma entrada de 10 fr.; 2º ─ uma quota anual de 24 fr., e cada sócio livre paga uma quota anual de 20 fr.
“As quotas são pagas integralmente por ano, isto é, adiantadamente. O Sr. Allan Kardec toma precauções contra as deserções.
“Ora, pela admiração que se nota em toda a parte pelo Espiritismo, cremos ser modesto contando para Paris apenas 3000 sócios, titulares e livres. As respectivas quotas anuais somam, portanto, 63.000 fr., sem contar as entradas que serviram para montar o negócio.
“Apenas por alto calcularemos os lucros com a venda de O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns. Eles devem, entretanto, ter sido consideráveis, pois não conhecemos nenhuma obra em maior voga, voga baseada no insaciável desejo que leva o homem a penetrar o mistério da vida futura.
“Mas, do que precede, ainda não mostramos a maior fonte de lucros. Existe uma revista mensal espírita, publicada pelo Sr. Allan Kardec, coleção indigesta que ultrapassa de muito as lendas maravilhosas da Antiguidade e da Idade-Média, e cuja assinatura é de 10 fr. por ano para Paris; 12 e l4 fr. para as províncias e o exterior.
“Ora, qual dos numerosos adeptos do Espiritismo que, em falta de 10 francos por ano (cerca de 90 cêntimos por mês), se privaria de sua parte de aparições, evocações, manifestações de Espíritos e de lendas? Assim, na França e no estrangeiro, não se pode contar menos de 30.000 assinantes da Revista, produzindoum total anual de 300.000 francos. Estes, somados aos 63.000 francos de cotizações, dão um total de 363.000 francos.
“As despesas a deduzir são:
“1.º ─ Aluguel da sala de sessões da Sociedade e salários dos secretários, do tesoureiro, dos criados e de um bom número de médiuns. Julgamos estar acima da realidade calculando essas despesas em 40.000 francos.
“Custo líquido da Revista: Um número de 32 páginas não custa mais de 20 cêntimos. Os 12 anuais custarão 2,40 francos, que, multiplicados por 30.000, dão a cifra de 72.000.
“Total das despesas - 112.000 francos.
“Subtraindo esses gastos dos 363.000 francos, resta para o Sr. Allan Kardec um lucro anual líquido de 250.000 francos, sem contar o da venda dos Livros dos Espíritos e dos Médiuns.
“Do modo como progride a epidemia, em breve a metade da França será espírita, se já não o é de fato, e como não se pode ser bom espírita se ao menos não se for sócio livre e assinante da Revista, há a probabilidade que em 20 milhões de habitantes, de que se compõe aquela metade, haja 5 milhões de sócios e a mesma quantidade de assinantes da Revista. Consequentemente, a renda dos presidentes e vice-presidentes das sociedades espíritas será de 100 milhões anuais, e a do Sr. Allan Kardec, proprietário da Revista e soberano pontífice, de 38 milhões.
“Se o Espiritismo ganhar a outra metade da França, essa renda será dobrada, e se a Europa se deixar infestar, não será mais por milhões, mas por bilhões que deve ser contada.
“Ah! Os ingênuos espíritas! Que pensais dessa especulação baseada em vossa simplicidade? Poderíeis jamais ter acreditado que do jogo das mesas girantes puderam sair semelhantes tesouros? E agora, estais cientes acerca do ardor que motiva os propagadores da doutrina a fundarem sociedades?
“Não há razão para dizer-se que a tolice humana é uma mina inesgotável a explorar?
“Examinemos agora os meios postos em prática pelo Sr. Allan Kardec, e sua habilidade como especulador será a única coisa que não poderá ser posta em dúvida.
“Ele compreende que, com a voga universal das mesas girantes, e sem gastar um ceitil, acha-se feita a coisa mais difícil, a publicidade.
“Ora, em tais circunstâncias, prometer, por meio das mesas girantes, desvendar os mistérios do além e da vida futura, era dirigir-se a uma imensa clientela, ávida por esses mistérios e consequentemente inteiramente disposta a escutar suas revelações. Depois, pensando que os cultos existentes podem lhe subtrair bom número de adeptos, proclama seu fracasso. Lê-se em sua brochura “O Espiritismo em sua expressão mais simples” (pág. 15): “Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas é independente de qualquer culto particular.”
“Essa doutrina, feita a propósito para seduzir o número sempre crescente de homens que não mais querem suportar qualquer hierarquia social, não podia deixar de ter seu efeito.
OBSERVAÇÃO: Em vossa opinião, há então muitos para quem o jugo da religião é insuportável!
“O que nos surpreende estranhamente é que, autorizando a pregação do Espiritismo, o governo não tenha visto que essa audaciosa tentativa contém o germe da abolição possível de sua própria autoridade. Porque, enfim, quando a epidemia tiver crescido mais, não é possível que, por injunção dos Espíritos, seja decretada a abolição de uma autoridade que pode ameaçar a existência do Espiritismo?
“Não haveria perigo em permitir as sociedades espíritas. Mas não seria prudente proibir suas publicações?
“A seita ter-se-ia limitado às salas de sessões e provavelmente não teria tido mais sucesso que os espetáculos de Conus ou de Robert Houdin.
“Mas a lei é ateísta, disse a filosofia moderna, e é em virtude desse paradoxo que um homem pôde proclamar a derrota da autoridade da Igreja.
“Este exemplo, diga-se de passagem, demonstraria aos olhos menos clarividentes a sabedoria dos legisladores da Antiguidade, que não criam que a ordem material pudesse existir com a desordem moral e que, em seus códigos, tinham ligado tão intimamente as leis civis e as leis religiosas.
“Se coubesse ao poder da Humanidade destruir as criações espirituais de Deus, o primeiro efeito do Espiritismo deveria ser arrancar a Esperança do coração do homem.
“Que esperaria o homem aqui, se adquirisse a convicção (não dizemos a prova) de que após a morte ele terá à sua disposição, e indefinidamente, várias existências corpóreas?
“Esse dogma, que não passa da renovada metempsicose de Pitágoras, não é de natureza a enfraquecer nele o sentimento do dever e a fazê-lo dizer aqui em baixo: Para mais tarde os negócios sérios? A Caridade, tão fortemente recomendada pelo Cristo e pela Igreja, e da qual o próprio Espiritismo faz a pedra angular de seu edifício, não recebe um golpe mortal?
“Outro efeito do Espiritismo é transformar a Fé, que é um ato de livre-arbítrio e de vontade, numa credulidade cega.
“Assim, para fazer vingar a especulação do Espiritismo ou das mesas girantes, o Sr. Allan Kardec prega uma doutrina cuja tendência é a destruição da Fé, da Esperança e da Caridade.
“Entretanto, se o mundo cristão se reerguer, o Espiritismo não prevalecerá contra a Igreja. ‘Reconhecer-se-á todo o valor de um princípio religioso (como diz o Sr. Bispo de Argel, em sua carta de 13 de fevereiro de 1863, aos curas de sua diocese), porque ele se basta para, por si só, vencer todas as vacilações, todas as oposições e todas as resistências.’
“Mas há verdadeiros espíritas? ─ Nós o negaremos enquanto um homem sentir que a Esperança não se extinguiu em seu coração.
“Que há, pois, no Espiritismo? Nada mais que um especulador e iludidos. E no dia em que a autoridade temporal compreender sua solidariedade com a autoridade moral e apenas se limitar a interditar as publicações espíritas, essa especulação imoral cairá para não mais se erguer.”
O jornal de Argel, o Akhbar, de 28 de março de 1863, num artigo tão benévolo quanto a brochura, reproduzindo uma parte destes argumentos, concluiu que está perfeitamente provado, pelos cálculos autênticos, que o Espiritismo nos dá atualmente uma renda positiva anual de 250.000 francos. O autor da brochura vê as coisas ainda mais largamente, pois suas previsões a levam, daqui a poucos anos, a 38 milhões, isto é, um número superior ao orçamento anual dos mais ricos soberanos da Europa.
Certamente não nos daremos ao trabalho de combater os cálculos que se refutam pelo próprio exagero, mas que provam uma coisa: o pavor que causa aos adversários a rápida propagação do Espiritismo, a ponto de levá-los a dizer as maiores inconsequências.
Admitindo-se efetivamente, por um instante, a realidade dos números do autor, não seria o mais enérgico protesto contra as ideias atuais, que desmoronariam no mundo inteiro ante a ideia emitida por um só homem, que há seis anos era desconhecido? Não é reconhecer a força irresistível dessa ideia?
Dizeis que ela tende a suplantar a religião, e para prová-lo a apresentais adotada, dentro de pouco tempo, por 20 milhões, depois por quarenta milhões, só na França. Depois gritais: “Não, a religião não pode perecer.” Mas se vossas previsões se realizarem, que ficará para a religião?
Façamos uma pequena estatística com os números do autor. Na França, 36 milhões de habitantes; espíritas, 40 milhões; resta para os católicos 0 menos 4 milhões, porque, em vossa opinião, não se pode ser católico e espírita. Se a Igreja é tão facilmente derrubada por um indivíduo com a ajuda de uma ideia extravagante, não é reconhecer que ela repousa sobre uma base muito frágil? Dizer que ela pode ser comprometida por um absurdo, é fraco elogio ao poder de seus argumentos e confessar o segredo de sua própria fraqueza. Onde, então, sua base inamolgável? Desejamos à Igreja um defensor mais forte e, sobretudo, mais lógico que o autor da brochura. Nada mais perigoso que um amigo imprudente.
A gente não pensa em tudo. O autor não percebeu que querendo nos denegrir, exalta a nossa importância, e o meio que ele emprega vai justo contra seu objetivo. Sendo o dinheiro o deus de nossa época, àquele que for mais rico não faltam cortesãos, atraídos pela esperança da carniça. Os bilhões com que nos gratifica, longe de afastá-los de nós, poriam até os príncipes aos nossos pés. Que diria o autor se, desde que não temos filhos, o fizéssemos nosso herdeiro de umas dezenas de milhões? Acharia que a fonte era má? Isto seria capaz de fazê-lo dizer que o Espiritismo serve para alguma coisa.
Em sua opinião, uma das fontes de nossas rendas enormes é a Sociedade de Paris, que ele supõe ter ao menos 3.000 sócios. Para começo, poderíamos perguntar com que direito vem imiscuir-se nos negócios particulares. Mas passamos por cima. Já que ele se gaba de tanta exatidão, e esta é necessária quando se quer provar com cifras, se ele tivesse tido o trabalho apenas de ler o relatório da Sociedade, publicado na Revista de 1862, poderia ter feito uma ideia mais exata de seus recursos, e do que chama o orçamento do Espiritismo.
Colhendo informações alhures que não em sua imaginação, teria sabido que a Sociedade, elencada oficialmente entre as sociedades científicas, não é uma confraria nem uma congregação, mas uma simples reunião de pessoas que se ocupam do estudo de uma ciência nova, que ela aprofunda; que, longe de visar o número, mais prejudicial do que útil aos trabalhos, ela o restringe em vez de aumentá-lo, pela dificultação das admissões; que em vez de 3.000 sócios, ela jamais teve cem; que não gratifica nenhum de seus funcionários, nem presidentes, nem vice-presidentes ou secretários; que não emprega médium pago e sempre se levantou contra a exploração da mediunidade; que jamais percebeu um cêntimo dos visitantes que admite em pequeno número, e jamais abriu suas portas ao público; que além dos sócios contribuintes, nenhum espírita lhe é tributário; que os sócios honorários não pagam qualquer quota; que entre ela e as outras sociedades não existe qualquer filiação ou solidariedade material; que o produto das quotas jamais passa pelas mãos do presidente; que toda despesa, por menor que seja, só é feita com o visto do comitê; enfim que seu orçamento de 1862 foi fechado com um encaixe de 429,40 francos.
Esse magro resultado diminui a crescente importância do Espiritismo? Não, ao contrário, pois prova que a Sociedade de Paris não é uma especulação para ninguém. Quando o autor procura excitar a animosidade contra nós, dizendo aos adeptos que eles se arruínam em nosso proveito, eles simplesmente responderão que é uma calúnia, porque nada se lhes pede e eles nada pagam. Poder-se-ia dizer o mesmo de todo mundo, e não se poderia devolver a outros o argumento do autor, com números mais autênticos do que os seus? Quanto aos 30.000 assinantes da Revista, nós os desejamos. “Caluniai, caluniai, disse um autor, sempre ficará alguma coisa.” Sim, certamente restará sempre algo que mais cedo ou mais tarde cairá sobre o caluniador.
Injúrias, calúnias, invenções manifestas, até o imiscuir-se na vida privada, a fim de lançar a desconsideração sobre um indivíduo e sobre uma numerosa classe de indivíduos, essa brochura, que ultrapassou de muito todas as diatribes publicadas até hoje, tem todas as condições exigidas para ser levada à justiça. Não o fizemos, a despeito das solicitações que nos foram dirigidas, porque é uma sorte para o Espiritismo e não quereríamos, às custas de injúrias ainda maiores, que ela não tivesse sido publicada. Nossos adversários nada poderiam fazer de melhor para seu próprio descrédito, mostrando a que tristes expedientes se reduziram a fim de nos atacar e a que ponto o sucesso das ideias novas os espanta. Poderíamos dizer que os faz perderem a cabeça.
O efeito dessa brochura foi provocar uma enorme gargalhada em todos os que nos conhecem, e que são numerosos. Quanto aos que não nos conhecem, ela lhes deve ter inspirado um vivo desejo de conhecer esse Nababo improvisado que recolhe milhões mais facilmente do que se recolhem vinténs, e a quem basta lançar uma ideia para atrair a população de todo um Império. Ora, como, segundo o autor, ele só atrai os tolos, resulta que esse Império é feito de tolos, de alto a baixo da escala.
A História da Humanidade não oferece nenhum exemplo de fenômeno semelhante. Se o autor tivesse sido pago para tal resultado, não se teria saído melhor. Assim, não temos de que nos queixar. *
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* Escrevem-nos da Argélia — e o damos com reservas — que o autor da brochura fez parte de um grupo espírita; que seu zelo pela causa o tinha levado à presidência; mas que, mais tarde. não tendo querido renunciar a certos projetos desaprovados pelos outros sócios, tinha sido destituído.