Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Círculo espírita de Tours - Discurso do presidente na sessão de instalação

(Terça-feira, 12 de novembro de 1862)

“Senhores,

“Inicialmente, devo agradecer aos Espíritos protetores de nossa pequena sociedade nascente a minha designação para vossa presidência. Tratarei de justificar a escolha, que me honra, velando escrupulosamente para que os trabalhos de nossas reuniões tenham sempre um caráter sério e moral, objetivo que jamais devemos perder de vista, sob pena de nos expormos a muitas decepções.

“Que vimos buscar aqui, senhores, longe do bulício dos negócios mundanos? O conhecimento de nossos destinos. Sim, todos quantos estamos neste modesto círculo, que crescerá e que se elevará, assim espero, pela grandeza e altura do objetivo que perseguimos, cedemos ao desejo muito natural de rasgar o véu espesso que oculta aos pobres humanos o temível mistério da morte, e de saber se é verdade, como ensina uma falsa ciência, e como creem tantos infelizes Espíritos tresmalhados, que o túmulo fecha o livro dos destinos do homem.

“Bem sei que Deus colocou no coração de cada um, um facho destinado a clarear seus passos pelos rudes caminhos da vida: a razão, e uma balança para pesar todas as coisas em seu justo valor: a justiça. Mas quando a viva e pura luz desse facho diretor se enfraquece mais e mais, ao sopro impuro das paixões pervertidas, ela está a ponto de extinguir-se. Quando essa balança da Justiça é viciada pelo erro e pela mentira; quando o cancro do materialismo, após invadir tudo, até as religiões, ameaça tudo devorar, é necessário que o Supremo Juiz venha enfim, por prodígios de sua onipotência e por manifestações insólitas capazes de chamar a atenção violentamente, endireitar os caminhos da Humanidade e retirá-la do abismo.

“No ponto de degradação moral em que tombaram as sociedades modernas, sob a influência de falsas e perniciosas doutrinas toleradas, senão encorajadas, exatamente por aqueles que têm a missão de reprimi-las; no meio desse indiferentismo geral por tudo quanto não é matéria; desse sensualismo extremo, exclusivo; desse furor, antes desconhecido, de enriquecimento a qualquer preço; desse culto desenfreado do bezerro de ouro; dessa desordenada paixão do lucro, que engendra o egoísmo, gela todos os corações falseando todas as inteligências, e tende à dissolução dos laços sociais, as comunicações de além-túmulo podem ser consideradas como uma revelação divina, necessária para a chamada à ordem por parte da Providência, que não pode deixar perecer sem socorro sua criatura predileta. Com a rapidez que se expandem em todos os pontos do globo os ensinamentos da Doutrina Espírita, fácil é prever que a hora se aproxima em que a Humanidade, depois de um compasso de espera, vai transpor uma nova etapa, passar a uma nova fase de desenvolvimento na sua progressão intermitente através dos séculos.

“Quanto a nós, senhores, agradeçamos à Providência por nos haver escolhido para espalhar e fazer frutificar neste recanto da Terra a semente espírita, e assim cooperar, na medida de nossas forças, na grande obra da regeneração moral que se prepara.

“Eu me ocupo, neste momento, a propósito de uma questão médica, alguns dentre vós o sabem, de um trabalho filosófico importante, no qual tento explicar racionalmente os fenômenos fisiológicos do Espiritismo e ligá-los à filosofia geral. Antes de publicar esse trabalho, essencialmente antimaterialista, que ainda não passa de um esboço, proponho-me submetê-lo à vossa apreciação, a fim de tomar vosso conselho quanto à oportunidade de submeter à aprovação dos Espíritos elevados que têm a bondade de nos assistir, os principais pontos de doutrina que ele encerra.

Além do mais, ali poderemos encontrar, previamente e metodicamente dispostas, a maior parte das questões que devem constituir o tema de nossas conversas espíritas.

“Jamais devemos perder de vista, senhores, o fim essencial do Espiritismo, que é a destruição do materialismo pela prova experimental da sobrevivência da alma humana. Se os mortos respondem ao nosso chamado, se se põem em comunicação conosco, é que evidentemente eles não estão mortos de fato; é que o último estertor da agonia não lhes marcou o termo definitivo de sua existência. Todos os sermões do mundo não valem, a tal respeito, um argumento como este.

“É por isto que é dever nosso, de crentes, espalhar a luz em volta de nós e não encerrá-la sob o alqueire, isto é, neste pequeno recinto que, ao contrário, por nosso zelo deve tornar-se um foco de irradiação. Isto quer dizer que deveríamos convidar todo mundo às nossas reuniões, acolher o primeiro que manifeste curiosidade de nos ver em atividade, como se se tratasse de ver um prestidigitador operando? Seria irrefletidamente expor às chances do ridículo a coisa mais séria do mundo, e nós mesmos nos comprometermos. Mas sempre que uma pessoa, de cuja boa-fé não temos motivo de suspeita, tiver adquirido noções do Espiritismo na leitura de obras especiais e deseje presenciar os fatos, devemos satisfazer-lhe o pedido. Apenas será bom regular essas admissões e não admitir em nossas sessões pessoas estranhas, sem que a sociedade, consultada, tenha dado autorização prévia.

“Senhores, quando, há dois anos apenas, constatávamos, com um dos nossos sócios, em casa de um amigo comum, os fenômenos espíritas de ordem mecânica e intelectual mais admiráveis, a despeito da evidência dos fatos que testemunhávamos, e a despeito de nossa convicção profunda de que essas manifestações extraordinárias se passavam fora das leis naturais conhecidas, apenas ousáramos expor timidamente os nossos conhecimentos íntimos, tamanho era o receio que pusessem em dúvida a integridade de nossa razão. O Livro dos Espíritos, então pouco conhecido em Tours, ainda estava na primeira ou na segunda edição. Naquela época, numa palavra, quase não havia transposto os limites da capital. Ora, vede que imenso progresso no espaço de três anos! Hoje o Espiritismo penetrou em toda a parte; tem adeptos em todas as camadas sociais; reuniões e grupos mais ou menos numerosos organizam-se em todas as cidades, grandes e pequenas, esperando a vez das aldeias. Hoje as obras espíritas são expostas em todos os livreiros, que têm dificuldade em atender à demanda da clientela, ávida de iniciar-se nos grandes mistérios das evocações. Hoje, enfim, o Espiritismo vulgarizado, de todos conhecido de alguma forma, não é mais um espantalho, um signo de reprovação ou de desdém, e podemos ousadamente, sem receio de passar por loucos, revelar a finalidade de nossas reuniões. Podemos desafiar a troça e o sarcasmo e dizer aos brincalhões: ‘Antes de nos pôr em ridículo, ao menos nos contem e nos pesem.’

“Quanto ao anátema de um partido, avaliamos bem o seu pequeno alcance para nos inquietarmos. Dizem que fizemos pacto com o diabo. Seja. Mas, então, há que convir que nem todos os diabos são maus. Aos seus olhos, o nosso verdadeiro crime é a nossa pretensão, certamente muito legítima, de nos comunicarmos com Deus e seus santos, sem a sua intermediação obrigatória.

“Provemos-lhes que, graças aos ensinamentos dos que eles chamam demônios, nós compreendemos a moral sublime do Evangelho, que se resume no amor a Deus e aos nossos semelhantes e na caridade universal. Abraçamos a Humanidade inteira, sem distinção de culto, de raça, de origem, e, com mais forte razão, de família, de fortuna e de condição social. Que saibam que o nosso Deus, o dos espíritas, não é um tirano cruel e vingativo que pune um instante de desvio com torturas eternas, mas um pai bom e misericordioso que vela por seus filhos desviados, com uma solicitude incessante e procura atraí-los a si por uma série de provas destinadas a lavá-los de todas as manchas. Não está escrito que Deus não quer a morte do pecador, mas a sua conversão?

“Além disso, nós nos reservamos expressamente, aqui como em qualquer parte, os direitos imprescritíveis da razão que deve tudo dominar e tudo julgar em última instância. Não dizemos aos recalcitrantes, conduzindo-os ao pé da fogueira: Crê ou morre, mas, crê, se tua razão o quer.

“Ainda uma palavra para terminar, senhores, pois não quero abusar de vossa atenção. Não tendo, nem podendo ter nossa sociedade outro fim senão a nossa instrução e o nosso melhoramento moral, devemos afastar de nossas reuniões, com o maior cuidado, toda questão ligada direta ou indiretamente a pessoas, à política e aos interesses materiais.

Estudo do homem em relação ao seu destino futuro, tal o nosso programa, do qual jamais nos devemos separar.”


CHAUVET Doutor em medicina.


Segue a esse discurso a comunicação espontânea abaixo transcrita, recebida por um dos médiuns da sociedade:

“Meus amigos, a finalidade de vossa sociedade é de vos instruirdes e trazer o homem tresmalhado à luz, que há tanto tempo é obscurecida pela treva que reina neste século. Não deveis olhar esta Instituição como se ele tivesse vindo instruir-vos sobre questões de Direito ou Ciência. Ela vem pura e simplesmente para vos dispor a entrar na nova via da regeneração que deveis percorrer sem medo, pondo vossa confiança nas instruções que recebereis. Nada deveis temer, porque Deus vela pelo homem que faz o bem e não o abandona.

“Eu vos ouvi discutir a propósito de um artigo do regulamento de admissão de pessoas estranhas em vossa sociedade. Escutai um pouco os conselhos de um amigo, ou antes, do irmão que vos fala, não de boca, mas do coração, não materialmente, mas espiritualmente, porque, crede-o, quando para vir até vós transponho todos os graus de Espíritos impuros, o espaço a percorrer não me parece penoso se vejo vosso coração animado de sentimentos do bem.

“Quando um estranho pedir para assistir às vossas sessões, antes de admiti-lo, fazei-o vir em particular ao vosso gabinete e, na conversa, sondai os seus sentimentos e vede se está instruído na nova doutrina. Se nele descobrirdes o desejo do bem e não simples curiosidade; se vem animado de intenções sérias, então podeis admiti-lo sem receio. Mas repeli quem quer que venha com o pensamento de perturbar a sessão e desprezar os vossos ensinos. Pensai também que os espiões se insinuam por toda a parte: Jesus o teve.

“Se alguém se apresenta dizendo-se espírita ou médium, não o recebais sem saber com quem estais lidando. Não ignorais que há médiuns cheios de frivolidade e de orgulho e que, por isso mesmo, só atraem Espíritos levianos. Diz-se sempre que semelhante atrai semelhante. Um verdadeiro espírita não deve ter outro sentimento senão o do bem e da caridade, sem o que não pode ser assistido por Espíritos elevados.

“Sem dúvida a perda de um médium pode deixar um vazio entre vós, mas, por isso, não se deve crer que não tereis mais instruções nossas, porque estaremos sempre prontos a vir assistir-vos nos trabalhos, sempre que Deus o permita. Se um bom médium vos é tirado, é que certamente Deus o destina a outra missão, que julga mais útil. Quem sabe o que o espera? Há coisas que o homem não pode compreender, mas que deve aceitar.

“O caminho que ides percorrer, meus amigos, é difícil de subir, mas, com a ajuda dos vossos irmãos que estão acima de vós, conseguireis.

“Espero numa outra oportunidade vos instruir sobre questões mais sérias.”


FÉNELON

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